domingo, 28 de dezembro de 2014

AS BRUXAS DE SALEM

Salem é uma cidade localizada no Estado americano de Massachusetts, no Condado de Essex. Segundo o censo de 2000, a cidade tinha uma população total de 40 407 habitantes. Juntamente com Lawrence, forma a sede do Condado de Essex. O nome da cidade está relacionado à palavra árabe Salam, que significa 'paz'. Salem foi marcada pelos famosos julgamentos das Bruxas de Salem. Contudo, a cidade teve outras razões para entrar na história dos Estados Unidos, como o fato de ter sido um importante Porto comercial. As feiticeiras de Salem Há três séculos, o vilarejo de Salem, na colônia americana da Nova Inglaterra, foi tomado de assalto por uma onda de intolerância e de fanatismo religioso, vitimando quase vinte pessoas. Esse infeliz incidente, e a caça às feiticeiras que então se desencadeou, serviu como um alerta para que os princípios de liberdade religiosa fossem assegurados na história dos Estados Unidos. Salem é visitada por Satanás "É uma certeza que o demônio apresenta-se por vezes na forma de pessoas não apenas inocentes, mas também muito virtuosas." Rev. John Richards, século XV Mister Parris, o pobre reverendo de Salem, estava exasperado. Betty, a sua única filha de apenas nove anos, acometida por uma série de estranhos espasmos, jogou-se petrificada sobre o leito, negando-se a comer. Naquela perdida cidadezinha, ao norte de Boston, não existiam muitos recursos além de um velho médico que por lá se perdera. Chamado para diagnosticar a doença, atestou para o aterrado pai que a menina estava era enfeitiçada e que nada lhes restava a fazer além de uma boa e sincera reza. A conclusão do doutor correu de boca em boca e em pouco tempo os pacatos habitantes do pequeno porto tomaram conhecimento de que Satanás resolvera coabitar com eles. Simultaneamente outras garotas, as amiguinhas de Betty, começaram a apresentar sintomas semelhantes aos da filha do clérigo. Rolavam pelo chão, imprecavam, salivavam, grunhiam e latiam. Foi um pandemônio. Pressionado a tomar medidas, Parris resolveu chamar um exorcista, um caçador de feiticeiras, que prontamente começou sua investigação. No século XVII, poucos punham em dúvida a existência de bruxas ou de feiticeiras porque uma das máximas daqueles tempos é de que "é uma política do Diabo persuadir-nos que não há nenhum Diabo".
A inquisição Inquiridas por Cotton Mather, que iria se revelar uma espécie de Torquermada americano, as garotas contaram que o que havia desencadeado aquela desordem toda fora uns rituais de vodu que elas viram Tituba fazer. Essa era uma escrava negra que viera das Índias Ocidentais, e que iniciara algumas delas no conhecimento da magia negra. Durante o último longo inverno da Nova Inglaterra, ela apresentara várias vezes os feitiços para uma platéia de garotas impressionáveis. Educadas no estreito moralismo calvinista e no ódio ao sexo que o puritanismo devota, aquele cerimonial animista deve ter despertado as fantasias eróticas nelas. Provavelmente culpadas por terem cedido à libido ou apavoradas por sonhos eróticos, as garotas entraram em choque histérico. Seja como for o caso, merecia ser ouvido num tribunal. Toda a Salem se fez então presente no salão comunitário.
O tribunal Quando colocadas num tribunal especial, presidido pelo juiz S. Sewall, e inquiridas pelos juízes Corwin e Hathorne, as meninas começaram a apontar indistintamente para várias pessoas que estavam na sala apenas como curiosas. O depoimento mais sensacional foi o da escrava Tituba, que não só confessou suas estranhas práticas como afirmou que várias outras pessoas da comunidade também o faziam. A partir daquele momento, a cidadezinha que já estava sob forte tensão se transformou. Um comportamento obsessivo tomou conta dos moradores. Uma onda de acusações devastou o lugarejo. Vizinhos se denunciavam, maridos suspeitavam das suas mulheres e vice-versa, amigos de longa data viravam inimigos. Praticamente ninguém escapou de passar por suspeito, de ser um possível agente do demônio. Não demorou para que mais de 300 pessoas fossem acusadas de práticas infames. O tribunal que entrou em função em junho de 1692 somente parou em outubro. Resultou que dezenove pessoas foram enforcados. Os casos de bruxaria em Salém teriam tido influência de drogas? A vila de Salém era um lugar triste e sombrio no fim do inverno de 1692. Entre as imensas florestas e o mar vasto e calmo, parecia que o mundo estava se fechando para os colonos puritanos que habitavam a área. Duas tribos de nativos norte-americanos lutavam entre si em um lugar próximo. A varíola (em inglês) tinha começado a afetar a população de cerca de 500 pessoas. "Em 1692, era fácil acreditar que o diabo estava muito perto de Salém", escreve o historiador Douglas Linder (em inglês). "Mortes repentinas e violentas ocupavam as mentes das pessoas". A estrutura social também estava sob pressão. Três novas gerações haviam nascido na vila desde a chegada dos colonos originais, cada uma delas aparentemente mais afastada da devoção séria e religiosa ao código bíblico que havia guiado os puritanos da Europa para a imensidão norte-americana. O plano original dos puritanos de criar um novo Jardim do Éden parecia estar dando errado. Em fevereiro de 1692, o diabo, que na imaginação dos puritanos se escondia em cada sombra de Salém, finalmente apareceu. Os aldeões lutaram de maneira violenta e desenfreada contra ele. Nove meses mais tarde, 37 pessoas estariam mortas por causa dos julgamentos de bruxaria. Elas seriam mortas pelos próprios aldeões, pessoas com as quais haviam crescido, trabalhado e que as conheciam pessoalmente. Os colonos no Novo Mundo haviam sido examinados em busca de sinais de bruxaria e isso não era necessariamente raro. Mas nunca um grupo havia se comprometido dessa maneira com o que parecia ser uma loucura. Isso não significa que os aldeões de Salém estavam clinicamente loucos no inverno de 1692. É impossível fazer essa afirmação, mas historiadores procuram respostas para esse acontecimento desde que ele ocorreu. Em 1976, uma historiadora sugeriu que talvez um alucinógeno natural tenha sido a causa de um dos momentos mais tenebrosos da história norte-americana. Esporão do centeio: o LSD natural Em fevereiro de 1692, Elizabeth Parris, a filha do novo pastor da vila, ficou doente sem nenhuma explicação. A menina de 10 anos começou a ter um comportamento estranho: ela gritava com seu pai, jogava-se pelo quarto e reclamava que sua pele estava sendo beliscada e picada. O médico local William Griggs ficou perplexo com os sintomas da garota e depois que as tentativas de tratamento falharam, ele declarou que o demônio estava influenciando a garota: ela estava "possuída". Depois de um tempo, outras meninas na vila começaram a apresentar a mesma doença. Como os puritanos acreditavam que o diabo trabalhava junto às bruxas, os moradores de Salém, que já estavam desconfiados, começaram a suspeitar uns dos outros. No centro havia Tituba, uma escrava barbadiana que trabalhava para o reverendo Samuel Parris, o pai de Elizabeth. Tituba e outros moradores foram acusados pelas garotas que estavam sofrendo ataques e convulsões. Nenhum historiador chegou à conclusão de que realmente foi a bruxaria que causou as doenças nas meninas e existem várias explicações para as supostas possessões. Talvez a mais interessante seja a afirmação da historiadora Linda Caporael de que foi o envenenamento por esporão do centeio ou ergot que originalmente criou a histeria. O esporão é o resultado de um alcalóide tóxico (e geralmente fatal para os humanos) que se desenvolve no centeio. Por séculos, os fazendeiros souberam da existência do alcalóide, ao qual chamavam de capim, mas pensavam que ele era inofensivo [fonte: Shelton (em inglês)]. Algumas pessoas acreditavam que o capim, que parece um grão inteiro e preto, era simplesmente um grão queimado pelo sol [fonte: Caporael (em inglês)]. No entanto, não era esse o caso. Surtos de envenenamento por esporão do centeio já aconteceram em outros momentos da história e o caso mais antigo registrado aconteceu na Alemanha, em 857 d.C. A idéia de que o esporão do centeio estava causando uma doença horrível chamada Fogo de Santo Antônio apareceu em 1670, depois de uma investigação do médico francês chamado Thuillier [fonte: Universidade de Geórgia]. Mas apenas em 1853 Louis Rene Tulanse provou, sem deixar nenhuma dúvida, que esses capins estavam causando a morte agonizante de várias pessoas e animais. O simples fato de se comer um pão contendo a farinha feita com o grão infectado pelo esporão do centeio podia ser suficiente para matar uma pessoa. O envenenamento por esporão do centeio pode se manifestar de duas maneiras: ergotismo gangrenoso - causa queimação na pele, bolhas e apodrecimento das extremidades, que acabam caindo. A doença geralmente causa a morte da vítima; ergotismo convulsivo - ataca o sistema nervoso central, causando loucura, psicose (em inglês), alucinações, paralisia e sensações de formigamento. Esses sintomas fizeram a historiadora Caporael lembrar dos sintomas apresentados por Elizabeth Parris, principalmente a loucura. Registros feitos durante o ano de 1692 descrevem o comportamento que as garotas afetadas apresentavam. Ele tinha uma semelhança incomum com um estado alucinógeno, e o fungo contém isoergina, principal ingrediente da droga LSD. Será possível que Elizabeth Parris e as outras pessoas afetadas tenham comido centeio e contraído ergotismo convulsivo? Esporão do centeio: realidade ou ficção? Caporael não criou a sua teoria a partir do nada. A historiadora pesquisou a estação de crescimento do centeio, o grão em que o esporão parece crescer mais facilmente. Ela descobriu que houve um verão úmido em Salém, Massachusetts, antes do inverno de 1692 (o esporão se espalha mais facilmente em climas úmidos). A historiadora também pesquisou onde as famílias das garotas que sofreram os ataques, considerados feitiçaria pelos aldeões, pegavam os grãos. As duas primeiras garotas afetadas, Elizabeth Parris e Abigail Williams, eram primas e viviam na mesma casa, então as duas teriam comido os mesmos grãos. Além disso, 2/3 do salário de quem cuidava das garotas (o reverendo Parris) era pago em produtos, como grãos, em vez de em dinheiro [fonte: Caporael (em inglês)]. Os Parris poderiam ter conseguido de fontes diversas os grãos que comeram. A teoria do envenenamento por esporão do centeio parece explicar as aflições sofridas pelas garotas, mas a idéia foi contestada desde que foi apresentada em 1976. Alguns historiadores acreditam que seria possível que Elizabeth Parris, a primeira a garota a adoecer, tenha sofrido de alguma forma de envenenamento por esporão. No entanto, acredita-se que as outras garotas tenham aproveitado a oportunidade de afastar o tédio da vida colonial com uma farsa. Se isso for verdade, é difícil imaginar as reações delas quando os adultos tomaram as rédeas e começaram a enforcar seus vizinhos.
Outros historiadores não acreditam que o esporão tenha alguma ligação com os julgamentos das bruxas em Salém. O Dr. Peter Hoffer, professor de história da Universidade de Geórgia levanta algumas questões: "Por que aconteceu apenas com as garotas e não com os outros?" ele pergunta. "Por que apenas em 1692, por que nada aconteceu nos anos anteriores ou seguintes?" Hoffer, que já escreveu muitos textos sobre os julgamentos de bruxas em Salém, é um dos que acreditam que as garotas que acusaram os vizinhos de praticar bruxaria estavam pregando uma peça nas pessoas. Independentemente da causa, quer tenha sido envenenamento por esporão do centeio, uma brincadeira de criança, uma vingança por injustiças do passado, uma tentativa de se apoderar de terras ou histeria coletiva, os julgamentos de bruxas em Salém representaram um período tenebroso da história norte-americana. Se não fosse pelas confissões confusas que a escrava Tituba fez quando foi interrogada, pelo diagnóstico de feitiçaria feito pelos médicos, ou pelo barril de pólvora que Salém era na época, se qualquer uma dessas coisas não tivesse acontecido, talvez os julgamentos não tivessem ocorrido. Mas tudo se uniu e criou um ambiente cheio de suspeita e de impulsividade imprudente. Fontes: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/indice.htm http://www.oarquivo.com.br/index.php/polemica/historia/2269-as-bruxas-de-salem

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Como o Diabo ganhou o nome de Lúcifer

"Não consigo descobrir por que ele é chamado Lúcifer", afirmou Shelley em seu engenhoso ensaio sobre o Diabo, "exceto por uma passagem de Isaias erroneamente interpretada". Não podemos encontrar "Lúcifer" mesmo que examinemos cada página dos livros apócrifos e das pseudo-epígrafes. Lúcifer – como o nome do Diabo – não está nas Escrituras. Lúcifer, na verdade, não é nome de ninguém, significa apenas "o que leva a luz". Lúcifer é a estrela da manha, o planeta Vênus, que aparece antes do alvorecer. Ovídio menciona que cada novo dia começa quando "Lúcifer brilha radiante no céu, chamando a humanidade para seus afazeres diários. Lúcifer excede em brilho as estrelas mais radiantes". A identificação de Lúcifer com Satã vem de Isaias (14,13): "Como caíste do céu, ó Lúcifer, filho da alva!" Isaias não estava falando do Diabo. Usando imagens possivelmente retiradas de um antigo mito cananeu, Isaias referia-se aos excessos de um ambicioso rei babilônico que caiu no mundo dos mortos. Suas palavras passaram a significar uma referencia ao Diabo ao longo de quatro etapas: um rei tirânico é descrito em uma metáfora (o rei = uma estrela brilhante); e a expressão hebraica helel bem shahar = o que brilha) ou a grega eosphorus são traduzidas para o latim como a estrela da manha, Lúcifer, posteriormente, o rei tirânico é identificado com o Diabo; ergo Lúcifer torna-se outro nome para o Diabo. A resposta à questão de por que esse rei foi identificado com o Diabo é que isso resolvia o incomodo problema da natureza do Diabo. Origines, teólogo do século III não se esquivou ao problema: "Ninguém pode saber a origem do mal", escreveu ele, "sem ter entendido a verdade sobre o chamado diabo e seus anjos, e quem ele era antes de tornar-se um diabo e como ele se tornou um diabo". Se Deus criou o Diabo e este é em si mau, então Deus criou o mal. As implicações poderiam ser perturbadoras (em especial porque, como salientou Espinosa, o Diabo tenta as pessoas a fazer o mal, pelo que elas são punidas depois). Se o Diabo houvesse nascido mal, poderíamos dizer que ele pecou? Ele não teria opção, a não ser fazer o mal. Mas se Deus não criou o Diabo, Deus não é onipotente, e assim mergulhamos em um mundo maniqueísta, marcado pelo conflito entre bem e mal cujo resultado é inerentemente inconclusivo. Os padres cristãos do século XV resolveram o problema em duas etapas. Sim, Deus criou o Diabo, mas o Diabo não era inerentemente mau, quando foi criado; ele escolheu tornar-se mal. Portanto, Deus permanece onipotente, mas não é responsável pelo mal. Essa solução exigiu fundamento nas Escrituras, e o modo como esse fundamento foi providenciado explicará por que Lúcifer tornou-se um nome para o Diabo. O argumento de santo Agostinho, principal pensador cristão do inicio do século V, é instrutivo. Santo Agostinho foi muito mais influente do que Origines (que ele detestava). Podemos avaliar seu temperamento quando ele afirma que, embora homens bons e maus sofram igualmente, existe uma diferença crucial: "No mesmo fogo, o ouro brilha e a palha fumega, a borra não é confundida com óleo porque saíram da mesma prensa(..)A mesma agitação que faz a água fétida exalar mal cheiro faz o perfume emitir um odor mais agradável". Na terceira parte de A Cidade de Deus, sua principal obra, santo Agostinho explica a origem das duas cidades, a cidade de Deus e a cidade do Diabo. Originalmente, diz ele, todos os anjos eram seres da luz, criados "para viver na sabedoria e felicidade. Alguns anjos, porem, afastaram-se dessa iluminação". Se o Diabo é um anjo caído, ele tem de ter caído. Entretanto, a primeira epístola de João, assevera que "aquele que comete o pecado é do demônio, porque o demônio é pecador desde o principio. Para isto é que o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do demônio. Todo aquele que nasceu de Deus não comete pecado, porque sua semente permanece nele; e não pode pecar porque nasceu de Deus" (3,8-9). Isso implica que o Diabo não foi criado por Deus? O Diabo de são João e o de santo Agostinho não parecem ser o mesmo, mas santo Agostinho tinha uma resposta. João de fato escreveu que "o Diabo vive pecando desde o princípio", admite santo Agostinho, mas isso "deve ser entendido no sentido de que ele pecou não desde o princípio de sua criação, mas desde o principio do pecado, pois o pecado principiou no orgulho". Essa manipulação conduz à resposta para nossa questão inicial. Os maniques não entendem que, se o Diabo é mau por natureza, não se pode absolutamente falar em pecado. Eles não têm como objetar o testemunho dos profetas, por exemplo, quando Isaias, representando figurativamente o Diabo na pessoa do príncipe da Babilônia, pergunta: Como caíste do Céu, ó Lúcifer, filho da alva? Isto indica que: o Diabo esteve por algum tempo sem pecado. A explicação de santo Agostinho mostra que, na época em que ele esta escrevendo, Lúcifer não era um nome comum do Diabo. É bem verdade que, dois séculos antes, Origines interpretara partes do Levítico, Êxodo, Ezequiel e Isaias como referencias às manifestações do Diabo. Mas ninguém tentara obter as deduções minuciosas a respeito do Diabo com base nessas passagens, nem identificar o Diabo com o nome de Lúcifer. Origines estava tentando entender a natureza do mal. O objetivo de santo Agostinho era outro: queira identificar os hereges. Quem eram os anjos que seguiram Lúcifer? Eram hereges, assegurou santo Agostinho, o Diabo não possui poderes próprios, não possui território próprio e não é uma autocriação. Não existe um principio oposto a Deus que tenha criado o Diabo. O que aconteceu, explica, foi que originalmente o Diabo não tinha pecado, porem mais tarde (alguns dizem uma hora, outros, mais de uma semana) ele se afastou da verdade, como prova o Lúcifer citado por Isaías. Com efeito, Lúcifer tornou-se o nome do Diabo como parte do raciocínio usado para fundamentar a idéia de que o Diabo foi originalmente um anjo criado por Deus, mas que recusou a graça e deu as costas à verdade. A motivação por trás da interpretação de Isaías por santo Agostinho foi à luta deste contra "os maniqueus e semelhantes hereges venenosos que asseveram que o Diabo derivou sua natureza singularmente perversa de algum principio oposto a Deus". (Oito séculos mais tarde, são Tomas de Aquino diria o mesmo sobre o Diabo e os Maniqueus). Para combater o Diabo e defini-lo com mais clareza a passagem de Isaías foi entremeada com a quarta parte do Apocalipse (cap 12), onde é visto como um grande dragão vermelho: ...sua cauda arrastava um terço das estrelas do Céu, lançando-as para a terra... Houve então uma batalha no Céu: Miguel e seus anjos guerrearam contra o dragão. O dragão batalhou, juntamente com seus anjos, mas foi derrotado... Foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, o chamado Diabo ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada – foi expulso para a terra, e seus anjos foram expulsos com ele(12,4 e 7-9). Satã tornou-se o anjo rebelde. Embora Satã, o Diabo e Lúcifer fossem o mesmo, sem a fusão de Isaias e Apocalipse, Dante no último canto do "Inferno", nunca poderia ter escrito a respeito de Lúcifer que: S'el fu si bello com' elli è or brutto, se ele já foi belo como hoje é feio, E contra 'I suo fattore alzà le ciglia, e ainda assim contra seu Criador ergue a mão, Bem dee da lui procedere ogni lutto. Verdadeiramente toda aflição deve proceder dele. Medonho e repulsivo como é Lúcifer na Divina Comédia, o anjo rebelde fizera da terça parte das estrelas do céu sua aliada, tendo um potencial para a transformação ausente no insignificante Satã hebreu e no Maligno do Novo Testamento. Embora Lúcifer fosse um nome adicionado ao de Satã, para Dante e a maioria da cristandade, Lúcifer precedeu Satã. Como o monge mundano dos Contos de Canterbury, de Chaucer, explicou em sua narrativa: Ó Lúcifer, de todos o mais brilhante anjo, És agora Satã, não podes escapar Da desgraça em que caíste. Lúcifer já foi belo como hoje é feio, lembrou Dante a seus leitores, mas somente a feiúra e maldade de Satã estiveram na mente dos crentes, pensadores, escritores e artistas durante mais de mil anos. Ate mesmo Botticelli, amante da beleza, desenhou uma fera repulsiva para ilustrar o Lúcifer de Dante. É verdade que o fez para ser condizente com o texto de Dante, mas ainda assim quase todas as pinturas e manuscritos iluminados da Idade Média e Renascença mostram um Satã hediondo. Miguel matando o medonho Satã em forma de dragão é um tema comum, mas Miguel lutando contra anjos rebeldes, não. A queda dos anjos rebeldes raramente é representada; quando o é, Satã e seus anjos aparecem como espíritos grotescos. O Lúcifer "belo", Satã antes da queda, é praticamente desconhecido. Uma notável exceção é a iluminura dos irmãos Limbourg do inicio do século XV. Deus e suas hostes estão no alto. Os anjos rebeldes são jogados para baixo em duas colunas, à esquerda e à direita, formando um V que culmina com Lúcifer entrando no inferno. Essas colunas de anjos rebeldes são mostradas em primorosos tons de azul e ouro; a disposição formal conduz a um olhar pelas duas colunas convergentes até o clímax da cena, apresentando Lúcifer no vértice. Esse movimento é reforçado pelo aumento gradual no tamanho dos anjos rebeldes à medida que caem em nossa direção, dirigindo-se ao Inferno. As proporções de Lúcifer são maiores do que as de Deus; ele é belo, o primeiro Lúcifer "belo" na historia da arte. Coube a Milton, no século XVII, imaginar um Satã no Inferno que mesmo assim conservasse o brilho do Lúcifer que ele fora outrora. E os românticos do século XIX recriaram o anjo Lúcifer reinterpretando as razões de sua queda. Mas a maioria das pessoas não sabe que foram os padres da Igreja do século V os responsáveis pela primeira e decisiva reinterpretação do motivo por que o anjo Lúcifer foi expulso de Céu. Fontes: http://www.mortesubita.org/ livro "O Diabo - Uma máscara sem rosto", páginas 28 até 33.