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segunda-feira, 29 de março de 2010
Pirâmides de 11 mil anos submersas Japão podem confirmar Terceira Raça
Ocimar Barbosa - Nos últimos anos, novos e impressionantes achados arqueológicos trazem fortes luzes sobre tempos imemoriais e estão fazendo com que a ciência da antropologia dê sobressaltos de calafrios nas últimas décadas. Se antes, pensávamos apenas em Atlântida como sendo um continente perdido no Oceano Atlântico, bem como o mítico Continente de Mu no Oceano Atlântico, e as terras de Rama no Oceano Índico, precisamos lembrar que os povos amarelos também tem suas lendas. E essas lendas podem estar sendo corroboradas por impressionantes descobertas. Um tema mitológico muito conhecido no Japão, Taiwan , China e Filipinas descrevem a antiga busca por uma civilização perdida naquela região do planeta. Esse folclore cita através de lendas a probabilidade de um reino submerso nas Águas do Oceano Pacífico, com uma linha costeira que unia várias terras e onde os fragmentados arquipélagos da Malásia, da Indonésia, das Filipinas e do Japão não seriam mais do que partes de um grande continente.
Pirâmides submersas no Japão
Alguns pesquisadores o denominam de Lemúria, mas no Japão, é chamado Hori. E foi em 1985 que mergulhadores japoneses fizeram surpreendentes descobertas. Ao estudarem uma região no Arquipélago de Ryûkyû, a 480 km a sudoeste de Okinawa – Japão, o mergulhador Kihachiro Aratake estava com sua equipe procurando melhores lugares para turistas praticarem mergulho quando encontrou um conjunto de misteriosas ruínas magalíticas. Era uma plataforma com escadarias, as quais cada uma tem mais ou menos 1 metro de altura, assemelhando-se com um altar em pedras cortadas com precisão.
São restos de uma cidade antiqüíssima submersa próxima ao território japonês. A área tem 28,88 km² que tem uma população de menos de 2.00 moradores. Muitos historiadores, arqueólogos e outros cientistas foram atraídos até o sítio arqueológico, onde realizaram estudos geológicos para o cálculo da idade destes monumentos.
Chegaram a uma estupenda conclusão: os monumentos têm perto de 11.000 anos de idade
Isso coloca as edificações como sendo as mais antigas do planeta. Mais oito grandes estruturas feitas pelo homem foram encontradas no decorrer de 10 anos de exploração e pesquisas, com destaque para um enorme platô com mais de 200m de comprimento, e para deixar os arqueólogos ainda mais atônitos, descobriu-se uma pirâmide igual às pirâmides Aztecas e Maias (5 andares e alinhadas de acordo com pontos cardeais), além de um conjunto de ziguraes.
Construções mais antigas do planeta
Considerando que após re-datarem a idade da Esfinge de Gizé para cerca de 12 mil anos de idade (muito mais antiga do que assegura a arqueologia ortodoxa), calcula-se então que esse conjunto de construções no mar japonês tenha sido construído na mesma era em que sugiram as colossais pirâmides do Egito.
E mais surpresas estavam por vir. Não muito longe do local, outras ruínas vieram ao conhecimento, sendo uma delas, uma caverna rodeada de grandes pilares e uma estátua de cabeça humana um tanto gasta pela erosão das águas, submersa a cerca de 18 metros abaixo da superfície. Essa obra megalítica, segundo os arqueólogos, é muito parecida com os Moais da Ilha de Páscoa, na costa do Chile, também no Oceano Pacífico.
São escadarias, entalhes na rocha , rampas, terraços, pilares, desenhos de animais feitos em pedras única e a perfeita indicação de que Yonaguni pode ser o mais antigo sítio arquitetônico da história de uma humanidade desconhecida, principalmente depois que foram encontradas ferramentas de entalhe.
Para completar ainda mais a surpresa dos pesquisadores, outra descoberta: uma parede onde estão gravadas inscrições em estranhos caracteres, chamada Okinawan Rosseta Stone. Esses hieróglifos confirmam que o achado tem tudo pra ser obra de seres humanos, de uma civilização altamente evoluída que habitou o local há vários milhares de anos.
As pesquisas prosseguem através do Masaaki Kimura e sua equipe da Universidade de Ryûkyû. Os cientistas confirmam que essa formação retangular de pedras que foi encontrada submersa na costa do Japão é a evidência de que pode ter existido uma desconhecida e fantástica civilização, anterior a Idade da Pedra.
Seria provas de que o Continente de Mu realmente existiu?
Lendas que se tornam palpáveis
Diante das mais gritantes e incontestáveis evidências, nos dias de hoje muitos cientistas, arqueólogos e pesquisadores estão plenamente convencidos que em tempos muito remotos grandes e evoluídas civilizações, tais como a Atlântida e a Lemúria, ocuparam a face da Terra.
Bem ao contrário dos ortodoxos e dos tradicionalistas que insistem em afirmar que tudo não passa de meras lendas
Buscar a verdade acima de qualquer coisa deveria ser a meta do ser humano mas parece que há uma onda envolvente de ceticismo que embaça até mesmo as mentes mais brilhantes na tentativa de descobrir o que a história pode estar escondendo.
Mesmo assim, acreditam os místicos de que antes da raça ariana atual, existiram quatro raças anteriores, sendo que algumas delas chegaram a um conhecimento muito além do que hoje conhecemos.
Premeditadamente ou não, a comunidade acadêmica despreza qualquer sugestão de que tenhamos tido em um passado remoto, civilizações avançadas que teriam deixado espalhados em vários locais do mundo os indícios de sua existência.
"Atlântida? Lemúria? Hiperbórea? Isso é lenda!", dizem os céticos, que preferem manter protegida a idéia de progresso científico contemporâneo do que admitirem que possa ter havido na face da Terra, povos mais evoluídos em conhecimentos.
A Cidade Perdida da Bahia
Formações rochosas da Chapada Diamantina Setentrional, próximo da Vila de Santo Inácio - Município de Gentio do Ouro, Bahia. A região já foi uma das maiores produtoras de diamantes no mundo, mas hoje está reduzida à exploração em pequena escala. As formações rochosas, muito parecidos com os moais da Ilha de Páscoa, não lembram em muito vários semblantes humanos? O maior mistério na história do Brasil ou, como diríamos, o mais famoso mito arqueológico brasileiro é a “cidade perdida da Bahia”. O local é incerto, mas as afirmações coincidem com os detalhes de antigos viajantes que falavam de ruas calçadas e muros altos de pedras. A lenda teve início nos tempos do império, quando o governo português mandou prender Robério Dias, o Muribeca, por não querer revelar a localização de ricas minas de prata na Bahia. Há indícios, aliás, registros muito contundentes que deixam a impressão que “algo muito sério” está sendo escondido propositalmente durante vários anos.
Documentos
cperdida1A cidade perdida do sertão baiano passou por uma pesquisa minuciosa entre os anos de 1840 e 1847. Tudo porque, um ano antes, fora encontrado pelo naturalista português Manoel Ferreira Lagos um documento envelhecido, esquecido num canto da Livraria Pública da Corte (Atual Biblioteca Nacional). Era um velho manuscrito carcomido pela passagem do tempo que hoje é catalogado com o número 512, de 10 páginas com o título: “RELAÇÃO HISTÓRICA E OCCULTA, E GRANDE POVOAÇÃO ANTIQUÍSSIMA SEM MORADORES”. A região é inóspita. Os depoimentos nem sempre coincidem mas há vários pontos que confirmam relatos de uns e outros sobre ruínas espantosas. Apesar de não haver comprovação da realidade, os intelectuais e entusiastas acreditam que todos os esforços devem ser dedicados, pois que esses vestígios podem conduzir às grandes descobertas de um passado misterioso, não só do Brasil, mas envolvente para todo o continente sul-americano.
A lenda
Os relatos que falam da “Lenda da Montanha de Cristal” descreve uma montanha muito brilhante. Os bandeirantes não conseguiram escalá-la, mas um negro descobrira o caminho todo calçado de pedras por dentro da montanha. Do alto, dizia o relato, avistava-se uma enorme povoação. O local mostrava-se despovoado, assim, iniciaram sua exploração.
Esse único caminho de pedra levava até a entrada da fantástica cidade (prossegue o relato) até chegar à entrada com um portal que possuía três arcos de grande altura. Havia letras que não poderiam ser copiadas devido à grande altura do portal.
As casas eram construídas de forma simétrica e a cidade parecia uma só propriedade. As coberturas das casas eram, algumas de teto de ladrilho requeimado e outras de laje.
No final da rua, surgia uma praça regular com algo extraordinariamente grande: uma coluna de pedra preta bem ao centro com a estátua de um homem que apontava com o dedo indicador para o Pólo Norte. Em cada canto da praça, ao estilo romano, ficava uma agulha, algumas já destruídas pelo efeito de raios.
O relato continua
Outra grande figura encontrada sobre o pórtico principal da mesma rua, era coroada de louros e despida da cintura para baixo, trazendo estranhas inscrições abaixo do escudo. De ambos os lados da praça, edifícios grandiosos, sendo que o primeiro parecia um templo com figuras em relevo tais como corvos e cruzes. Muitos escombros e ruínas completava o cenário que era encontravado, parecendo que havia acontecido um terremoto.
Um grande rio passava do lado da praça, por onde os bandeirantes navegaram durante três dias até atingirem uma cachoeira. Também foi encontrada uma moeda de ouro desconhecida que trazia a gravura de um homem de joelhos. No verso da moeda, um arco, uma coroa e uma flecha.
A carta fez a lenda
De volta da expedição, os bandeirantes enviaram uma carta ao Rio de Janeiro, o que originou os manuscritos encontrado em 1839.
A autoria do manuscrito, segundo o pesquisador Heman Kruse e o historiador Pedro Calmon, foi conferida ao bandeirante João da Silva Guimarães, que teria percorrido os sertões da Bahia entre 1752 e 1753.
Estranho é que as autoridades brasileiras, depois de todos os esforços dos tempos do império, jamais se pronunciaram sobre essa miragem fantástica que desafia nossa imaginação. Parte dela ainda pode estar lá, envolvida pela vegetação, contando uma história bem diferente do que nos é ensinada nos livros escolares.
Por que seus vestígios teriam desaparecido, ficando apenas o mito?
Mito e Arqueologia no Império
Em um canto esquecido da Livraria Pública da Corte (atual Biblioteca Nacional), um manuscrito muito antigo e carcomido foi descoberto em 1839 pelo naturalista Manuel Ferreira Lagos, e entregue ao IHGB. Tratava-se do documento hoje conhecido como 512, com o título de Relação historica de uma occulta, e grande povoação antiquissima sem moradores. Sem saber, Lagos havia desencadeado o surgimento da mais conhecida fábula arqueológica do Brasil. Uma miragem fantástica, pela qual diversos intelectuais dedicariam todos os esforços para tentar solucioná-la.
Sapiente da enorme importância desse documento, o cônego Januário Barboza logo o publicou integralmente na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Não sem antes realizar um pequeno prefácio, onde apelou para o estudo das antigas tradições, reconstituindo a saga de Robério Dias, o Muribeca ? preso por não revelar ao governo português a localização de ricas minas de prata na Bahia. Mesmo sem nenhuma comprovação da realidade desta cidade, para os entusiasmados intelectuais tal Relação histórica era um vestígio que poderia conduzir a grandes descobertas. É muito importante a análise deste documento na conjuntura de sua época, também para entendermos mais a fundo a receptividade por parte do Instituto no Oitocentos. Inicialmente resumiremos a narrativa, definindo em seguida algumas hipóteses sobre o tema.
A ORIGEM DO MITO
O subtítulo da Relação esclarece o motivo da expedição pelos bandeirantes, a busca das minas de prata de Muribeca, na qual ficaram dez anos vagando nos sertões da Bahia. A estrutura da aventura não possui praticamente nenhum elemento fantástico, típico dos relatos quinhentistas sobre o Eldorado amazônico. Nem seres extraordinários, nem uma geografia pela qual o maravilhoso ditava totalmente as regras.
O início do relato descreve o encontro de uma montanha muito brilhante, devido à existência de cristais. Admirados pelo local, os bandeirantes no entanto não conseguiram escalar a formação rochosa. Um negro da expedição, ao tentar alcançar um veado branco (albino?), encontrou um caminho calçado por dentro da montanha, pelo qual a excursão seguiu adiante. Do alto da montanha, avistaram adiante uma "povoação grande, persuadindo-nos pelo dilatado da figura ser alguma cidade da Costa do Brazil"1. Após certificarem-se de que o local estava despovoado, iniciaram sua exploração.
O acesso para a cidade era feito por um único caminho de pedra. A entrada da urbe era formada por "tres arcos de grande altura, o do meio he maior, e os dous dos lados são mais pequenos: sobre o grande, e principal devizamos Letras que se não poderão copiar pela grande altura". Na cidade, as casas eram feitas com muita regularidade e simetria, parecendo "huma só propriedade de cazas, sendo em realidade muitas, e algumas com seus terrados descubertos, e sem telha, porque os tectos são de ladrilho requeimado huns, e de lages outros". Percorrendo o interior destas habitações, os bandeirantes não encontraram nenhum vestígio de móveis ou qualquer outro objeto. Ao final da rua, depararam com uma praça regular, que possuía em seu interior uma:
(...) collumna de pedra preta de grandeza extraordinaria, e sobre ella huma Estatua de homem ordinario, com huma mao na ilharga esquerda, e o braço direito estendido, mostrando com o dedo index ao Polo do Norte; em cada canto da dita Praça está uma Agulha, a imitação das que uzavão os Romanos, mas algumas já maltratados, e partidos como feridas de alguns raios.
Sobre o pórtico principal da rua, também situava-se uma "figura de meio relevo talhada da mesma pedra, e despida da cintura para cima, coroada de louro" e com inscrições abaixo do escudo. Nos lados esquerdo e direito da praça existiam edifícios imensos. O primeiro parecia, segundo os narradores, um templo com muitas figuras em relevo nas suas laterais, como cruzes e corvos. Outras partes da povoação, jaziam em grande escombro e muita ruína, que teria sido causado por um terremoto. Próximo à praça descrita, também havia um grande rio. Seguindo por ele, os bandeirantes após três dias encontraram uma enorme catadupa (cachoeira). Neste local, ocorriam grandes quantidades de furnas, muitas cobertas com lages e inscrições. Ainda entre as ruínas foi encontrada uma moeda de ouro muito grande, com "a imagem, ou figura de hum moço posto de Joelhos, e da outra parte hum arco, huma coroa, e huma sétta". Após chegarem na região entre os rios Paraguaçu e Una, os expedicionários enviaram uma carta ao Rio de Janeiro, originando o manuscrito original.
Inicialmente, devemos perceber que estas ruínas não pertencem ao modelo urbanístico colonial português ou espanhol. A possibilidade de terem encontrado algum centro de mineração, abandonado após o término da exploração, também é muito remota. Na metade do século XVIII, a maioria dos complexos mineradores ainda estava em atividade na Bahia. Inscrições, templos, pórticos e estátuas nos levam ao encontro de uma origem mediterrânea clássica, portanto, imaginária do relato. O problema principal é determinar como foi o contato com esse modelo europeu. A primeira metade do Setecentos foi marcada por uma grande efervescência clássica na Europa, antecipando uma matriz cultural para a data do manuscrito: a comparação das praças com as construídas pelos romanos; estátuas com coroa de louros; pórticos grandiosos; moedas de ouro e citações de acidentes geográficos ocidentais ("Alpes e Pyrinéos"; "Nillo"). Tudo isso nos leva a crer que o autor do relato estava profundamente inserido no contexto das descobertas arqueológicas e culturais que estavam sendo efetuadas na Europa ao início do séc. XVIII.
Mas existem também dois elementos na narrativa que fazem parte de tradições folclóricas muito mais antigas, advindas do séc. XVI. A primeira é referente aos montes de cristais reluzentes, no início do relato. Aventureiros descreveram pelo interior brasileiro a existência de montanhas e serras resplandescentes, associadas a metais e pedras preciosas. Essa tradição formou, a partir do Setecentos, o fundamento para alguns folclores bandeirantes, como a Lagoa Dourada (Eupana e Sabaroboçu). O historiador Buarque de Hollanda acreditava que essa tradição esteve intimamente relacionada com o mito do Paraíso Perdido, para o qual funcionaria como uma espécie de antecipação do maravilhoso: "da montanha que refulge passa-se muitas vezes sem dificuldade aos castelos, cidades, casas e igrejas de cristal, tão freqüentes nas clássicas visões do paraíso"2. Graças ao avistamento dessa montanha fascinante, os bandeirantes puderam localizar as ruínas baianas. Também muitas narrativas de cidades imaginárias possuíam uma estreita vinculação com montanhas feitas com metal precioso, como por exemplo o Eldorado. Outra tradição de origem colonial diz respeito a certa estátua, encontrada na Ilha dos Corvos (Açores), cujo folclore sobreviveu até o séc. XVIII, em forma literária ou poética. Segundo Damião de Góes, em sua Chronica do Principe D. Joam (1567), durante o reinado de D. Manuel, navegadores em incursão pela mencionada ilha descobriram, no cume de uma serra, uma imensa estátua de um homem vestido de bedém (túnica mourisca), sem barrete, com o braço estendido e a mão apontando para o poente. Abaixo da estátua foram ainda avistadas inscrições misteriosas, sem possibilidades de tradução. Já o poema Caramuru, de José de Santa Rita Durão (1781), também mencionou a célebre estátua: "E na ilha do Corvo, de alto pico (...) Onde acena o país do metal rico (...) Voltado estava ás partes do occidente, d'onde o aureo Brazil mostrava a dedo"3. Na cidade perdida da Bahia também existiria uma estátua central, cujo braço estendido apontava o dedo para o norte, com certas inscrições indecifráveis no mesmo local. Percebemos com essas duas tradições que o autor do manuscrito estava perpetuando um folclore mais antigo, incorporado ao universo dos bandeirantes e exploradores. Mas os elementos da arqueologia setecentista foram muito mais determinantes na estrutura do texto, como já mencionamos.
A descoberta e escavação de Herculanum iniciou-se em 1710, mas foi com a confirmação de seu nome e origem (1738) que estas ruínas romanas tornaram-se muito famosas. Pompéia foi escavada, por sua vez, a partir de 1748, e sua identificação ocorreu apenas em 1768. Podemos também estabelecer uma relação destas ruínas romanas, principalmente Herculanum, com a cidade do manuscrito, ao perceber que o terremoto citado pelo bandeirante é uma catástrofe natural semelhante ao vulcão (no caso, o Vesúvio). A natureza interferindo na obra humana. Outra questão é identificar como essas matrizes foram conhecidas no Brasil. A primeira publicação em larga escala dos vestígios romanos apareceu somente em 1756, com o livro L'antichità romana de Piranese, três anos após a descoberta da cidade baiana. É possível, deste modo, que o autor da imaginária cidade tenha estado anteriormente na própria Europa em contato com esse panorama cultural.
O pesquisador Hermann Kruse e o historiador Pedro Calmon estabeleceram como autor do manuscrito em questão, o bandeirante João da Silva Guimarães. Percorrendo os desconhecidos sertões da Bahia entre 1752-53, ele teria noticiado a descoberta das muito procuradas minas de prata de Robério Dias, justamente na região dos rios Paraguaçu e Una4. Uma similaridade de data e localização com a prescrita na Relação da cidade abandonada. Exames efetuados pela Casa da Moeda dois anos depois, porém, declararam que as minas não passavam de minérios sem nenhum valor. Aturdido, Guimarães foi conviver com os índios, desaparecendo após 1764. A obra de Pedro Calmon nos forneceu outra pista valiosa para a elucidação da origem histórica deste mito. Um dos auxiliadores das buscas de Guimarães foi o governador da província mineira, Martinho de Mendonça de Pena e de Proença. Examinando sua biografia, descobrimos que ele tinha sido bibliotecário, poliglota e filólogo, membro da Real Academia de Lisboa.
Além de ter proferido uma palestra sobre megalitismo português (Discurso sobre a significação dos altares rudes e antiquissimos, 1733), Proença também realizou, em 1730, uma investigação sobre as misteriosas inscrições de São Tomé das Letras, em Minas Gerais. A partir de 1738, estes caracteres se tornaram muito famosos, circulando cópias por toda a província. Ao analisarmos uma dessas reproduções, percebemos grande semelhança de alguns glifos com os da cidade perdida, principalmente cruzes e letras latinas. Além disso, foram interpretados por um dos autores da reprodução, Mateus Saraiva, como sendo caracteres romanos. No período em que circulavam as cópias, o bandeirante João Guimarães abandonara Vila Rica e partira em missão exploratória para as regiões dos rios São Mateus, Doce e Pardo, todos na província mineira. Atacado por índios, foi então auxiliado pelo governador Martinho Proença. Talvez a origem do mito esteja nesse antigo contato, entre um bandeirante ávido por ouro e um acadêmico interessado em arqueologia. Proença tinha todas as condições para criar a imagem de uma cidade em ruínas semelhante às romanas, repleta de inscrições, enquanto Guimarães desejava a todo custo encontrar riquezas sem fim. O acadêmico morreu em Lisboa (1743), e João Guimarães anunciou oficialmente, em 1752, a descoberta de minas de prata pelo interior baiano, escrevendo em seguida o manuscrito da cidade perdida.
O INÍCIO DAS BUSCAS
Os investigadores do Instituto Histórico não conheciam os autores do manuscrito, mas mesmo assim a narrativa foi encarada como um fato totalmente verdadeiro. Ao contrário das tribos indígenas, habitantes de rudimentares choupanas, essas ruínas aventavam a possibilidade de uma antiga civilização muito adiantada ter ocupado a jovem nação. Imediatamente, todos os esforços em encontrar esses maravilhosos vestígios foram efetuados. Em uma reunião do IHGB, o autor da descoberta do manuscrito, Manuel Lagos, oferecera-se para litografar e doar 500 exemplares das inscrições da cidade perdida.
Ao completar uma ano de fundação em 1839, o Instituto Histórico apresentava sob a forma do relatório de seu secretário os resultados obtidos durante esse percurso. Se não eram completos, ao menos revelavam uma franca esperança no cumprimento das suas metas básicas de recuperar as origens da nação. Ao citar estupendas descobertas arqueológicas em países muito próximos do Brasil, como Palenque no México e fortificações no Peru, Januário Barboza deixou claro que tais vestígios também podiam ser encontrados no império. A Europa recentemente maravilhara-se com publicações sobre ruínas maias, como Vues des Cordillères et Monuments deus Peuples Indigènes de l'Amérique (1810, de Humboldt), Antiquites of México (1831, de Lord Kingsborough), e Voyage pittoresque et archéologique dans la province d'Yucatan et aux ruines d'Itzalane (1838, de Jean Waldeck). É claro que os intelectuais brasileiros também esperavam encontrar indícios tão promissores nas desconhecidas florestas do Brasil5.
Advindo o novo ano de 1840, surgiram novas referências sobre o intrigante tema. Dois eruditos, o cel. Ignacio Accioli Silva e A. Moncorvo, residentes na Bahia, enviaram dados baseados em descrições regionais:
(...) sobre a cidade abandonada nos sertões desta província (...) que não parece ser fabuloso, pelas coincidentes noticias de varios antigos moradores, e exploradores dos sertões, pois por tradição se falla em uma grande Povoação, ou Cidade desprezada e que dizem a habitáram Indios e negros fugidos6.
Na tentativa de conseguir informações sobre a antiga cidade, os investigadores acabaram por contatar manifestações do folclore de muitos séculos. Conhecidas pela denominação de cidades encantadas por toda a América Latina, foram metamorfoses de antigos mitos coloniais, como o Eldorado e tradições bandeirantes, formando um rico e elaborado imaginário popular. Muitas destas tradições de cidades encantadas sobrevivem até os dias de hoje por meio da transmissão oral, mas algumas também foram incorporadas à literatura e à poesia, como Maiundeua e Axuí (Pará e Maranhão). Sendo um campo praticamente inexplorado pelos historiadores, é muito difícil elaborar análises sem maiores conhecimentos de fontes. Resta apenas tentar criar hipóteses entre essa aludida entrevista dos eruditos com os populares, ou seja, como as tradições coloniais sobreviveram na forma folclórica do século XIX. Essas cidades encantadas teriam sofrido influências do relato de Guimarães?
Voltamos novamente ao livro de Pedro Calmon.
Nele, o historiador afirmou que após a morte do bandeirante João Guimarães em 1766, rumores sobre ruínas já tinham sido criados por populares. Quando se iniciou a grande extração de diamantes na Bahia, a partir de 1844 na região da Chapada Diamantina, o folclore estava bem consolidado. Mas também não podemos descartar a interferências de outras tradições antigas, como as de redutos indígenas e quilombos pela província, como a própria entrevista dos membros do IHGB deixou claro.
Na Bahia ocorrem diversos vestígios de antigos quilombos, como nas regiões de Bom Jesus da Lapa e Rio das Rãs. Relatos imaginários também são muito freqüentes por toda a região. Em Lagoa Santa (MG), existe a fábula de uma cidade submersa através de uma catástrofe, muito similar ao mito de uma cidade submarina de esmeraldas que ocorre na área do médio rio São Francisco, na Bahia. Percebemos, desta maneira, que o mito popular foi reinterpretado pelo imaginário erudito, reforçando as convicções vigentes sobre um passado grandioso prestes a ser revelado.
cperdida2Nesse início de 1840, para além do entusiasmo dos eruditos filiados ao Instituto, também os estrangeiros estavam profundamente interessados na confirmação das enigmáticas ruínas. Uma expedição naturalista provinda de Copenhague, a bordo da fragata Bellone, teve como passagem o porto de Salvador. Composta pelos militares Suenson e Schultz, além do botânico Kruger, encarregados de examinar a misteriosa localidade. Não chegaram nem a concretizar a expedição ao local, por falta de maiores informações geográficas: "Mais rien ne fut exécuté, et nous en sommes encore réduits aux conjectures sur cette antique cité"7. O grupo também obteria informações do arcebispo da Bahia, Romualdo Seixas, que no ano anterior fora citado como membro do IHGB na categoria de sócio correspondente. Mais tarde viria a ser conhecido como marquês de Santa Cruz. Importante personagem no cenário político daquele momento, como primaz do Brasil, foi quem presidiu em 1841 a solenidade de sagração de D. Pedro II. Ainda durante os anos 40, Seixas seria admitido como sócio na Sociedade Real dos Antiquários do Norte, demonstrando seu grande interesse por assuntos arqueológicos.
Os dados trazidos do interior da Bahia por Moncorvo e Accioli, além do interesse do arcebispo Romualdo, seriam reforçados por uma inesperada carta de Munique, assinada por Carl Von Martius. Constituindo-se na gênese da futura dissertação Como se deve escrever a História do Brasil, o documento foi lido com muito interesse na sessão realizada em agosto de 1840. No periódico da agremiação, publicaram-se determinados trechos do manuscrito, procedimento que segundo nossa interpretação, procurava demonstrar somente as idéias mais importantes para as metas projetadas nesta época.
A primeira imagem esboçada por Von Martius foi a respeito de um passado muito remoto para os primeiros brasileiros. A confirmação das diferenças civilizacionais entre essa povoação e os indígenas contemporâneos se fez através da idéia de contingente populacional e padrões de nobreza. Essa primeira idéia já havia sido levantada, de maneira oposta, pelos deflagadores da inferioridade americana durante o Setecentos. Para Buffon, Raynal e De Pauw, as informações dos cronistas e viajantes sobre as sociedades ameríndias eram falsas, pois a população das cidades pré-colombianas seria muito pequena, com os índios espalhados pelo campo. A concepção geológica de um continente novo contrariava a idéia de uma grande população urbana na América. Com isso, uma remota ancestralidade e uma grande população seriam fundamentais para definir a outrora sociedade que existiu no Brasil.
As provas desse suposto tempo antigo, segundo Von Martius, seriam encontradas na mitologia indígena e em vestígios arqueológicos nesta região central do nosso País. Nada mais conveniente para as metas do Instituto do que essas hipóteses que encaminhavam para uma formidável descoberta em solo brasileiro. Na mesma sessão, o historiador Varnhagen declarou: "uma proposta para methodicamente serem recolhidas pelo Instituto as possiveis noticias sobre essa grande geração decadente"8. Conciliando dessa maneira as pesquisas sobre as inscrições fenícias da pedra da Gávea (dessa mesma época), a cidade da Bahia e as observações do sábio alemão, o Instituto sentia-se seguro para estabelecer um panorama otimista de nossos vestígios, determinando para todos os agremiados a busca dessa geração perdida.
UM VIAJANTE DO MARAVILHOSO
Conscientes de que a glorificação monumental só poderia ocorrer através de explorações, os membros do Instituto nomearam em 1840 o cônego Benigno José de Carvalho e Cunha para encontrar a cidade perdida da Bahia. Quais foram os motivos da escolha deste religioso? As pistas nos levam a um contexto externo ao IHGB. Benigno era professor, poliglota, especialista em línguas orientais e padre subordinado ao arcebispo Romualdo Seixas na Bahia. Suas ligações eram muito profundas, tanto que em 1840 dedicou um de seus livros (A religião da razão) a este arcebispo. As razões para o interesse de Seixas para com a cidade perdida são obscuras. O mais provável é que mantivesse um controle sobre todos os fatos científicos e culturais reinantes em sua província, indicando desta maneira o cônego Benigno para encontrar as tão almejadas ruínas.
Ainda no ano de 1840, em princípios de novembro, Benigno de Carvalho chegou a Salvador em seu período de férias. Neste local, recolheu informações de viajantes que estiveram no interior da Bahia, como o desembargador Mascarenhas de Assis e o dr. Remigio Andrade. O cônego encontrou algumas contestações da legitimidade de sua expedição. A credibilidade da cidade perdida, apesar de sua grande aceitação acadêmica, não era um fato absolutamente genérico. Sem desanimar, negou o caráter fabuloso das ruínas baseado principalmente na estrutura narrativa do documento bandeirante. Percebe-se que Benigno concebia o manuscrito como um autêntico diário de campo, onde os fatos descobertos foram sendo narrados fielmente. Ao mesmo tempo uma história muito simples e ingênua, o documento incluiria detalhes estranhos ao universo bandeirante, como as supostas inscrições avistadas: "como lembrariam a mineiros os caracteres gregos, ou runnos" 9? Essa lógica interna, também percebida pelos outros membros do Instituto e até alguns estrangeiros, constituiu a prova mais tangível da existência do fascinante local.
A primeira problemática colocada em campo por Benigno foi a localização exata do sítio. Concentrando-se no único detalhe geográfico mencionado no documento, que relata a existência de um riacho de frente à cidade, pelo qual os aventureiros desceram e após três dias chegaram aos rios Paraguassu e Una, firmou sua hipótese, na qual o lugar indicado pelo documento seria a serra do Sincorá. Em seguida passou a obter maiores referências sobre essa serra com os moradores das regiões litorâneas. Ainda na cidade de Salvador, o cônego realizou diversos estudos hidrográficos, todos baseados apenas nos mapas do período. Acreditava o cônego que gastaria 14 dias seguindo o mesmo trajeto dos bandeirantes até a cidade, mas como estava no final das férias, começou a abandonar a idéia de concretizar efetivamente a busca no distante recanto. Planejava ir somente até a cidade de Valença, a maior vila da região, onde obteria maiores informações sobre o rio Braço do Sincorá, se possuía cachoeiras e minas ao seu redor, confirmando o relato dos bandeirantes.
Chegando na cidade de Valença em 5 de fevereiro de 1841, o padre foi acompanhado de um rapaz chamado Ordinando, recebendo um salvo conduto do presidente da província. Que não chegou a ser utilizado, pois devido à grande quantidade de chuvas na região, a expedição foi cancelada. O resto de sua estada na cidade histórica de Valença foi ocupado recolhendo tradições orais dos antigos moradores. O primeiro entrevistado foi Antonio Joaquim da Cruz, que tinha viajado pelas regiões interioranas da Bahia. Afirmava que teria subido o Sincorá e que a cidade perdida ficaria localizada em uma mata na direção leste, mas não teve coragem para adentrá-la. Confirmou ainda a existência de uma grande cachoeira e de profundas minas que emitiriam um estranho estampido. De outros moradores de avançada idade recolheu informações sobre uma cidade muito antiga destruída por um
(...) terremoto, outros que por alluvião (inundação): alguns affirmam que ella existe, mas que nella está um dragão que traga quem lá se approxima; outros dizem que quem lá vai não volta; e a este respeito me contaram uma anedocta de certo coadjutor (sacerdote) que foi a desobriga (visita clerical) para aquelles sitios, e nunca mais appareceu, etc. etc.10.
Observamos aqui alguns exemplos de cidades encantadas presentes no folclore baiano. Todos estes aspectos sugerem uma origem muito mais antiga, anterior à bandeira de João Guimarães no séc. XVIII. Isso pode ser conferido, por exemplo, com o desfecho catastrófico sugerido para a cidade. Terremotos e inundações foram muito comuns em outras cidades imaginárias, como a Atlântida grega. Também tiveram grande influência simbolismos bíblicos, a exemplo do dilúvio universal, por sua vez muito populares nas teorias eruditas a partir do Setecentos, explicando a origem da humanidade. O aspecto do desaparecimento de pessoas que visitaram a cidade também é percebido em outras localidades imaginárias sul-americanas, como a Ciudad de los Césares. No Brasil, temos os casos de Maiandeua (Maranhão) e Grozongo (Pernambuco), cidades fabulosas que desaparecem sem deixar vestígios. No Estado da Bahia, o folclore de taperas abandonadas que se afundam no chão ainda é muito comum11.
Todos estes testemunhos colhidos por Benigno reforçaram suas convicções e hipóteses, confirmando a situação da cidade perdida na região do Sincorá. Planejando a futura expedição para o final de 1841, esclareceu em uma carta enviada em fevereiro ao Instituto, que essa jornada seria muito "longa e perigosa por causa das serpentes e onças, em que abundam aqueles sitios; há selvagens, porêm mansos". Apesar destas aparentes dificuldades, solicitou à agremiação carioca subsídios financeiros para a execução da viagem em pelo menos dois contos de réis.
Entraram em cena mais uma vez os poderosos aliados de Benigno. Um parecer realizado pela comissão de história do Instituto estipulou a publicação dos documentos enviados pelo padre, além do pedido imediato de verbas ao governo, para o êxito da expedição12. E caso não fosse possível a realização de um mapa da viagem, que ao menos os responsáveis publicassem um relatório detalhado da mesma. Em julho foi impressa a memória de Benigno na Revista do IHGB, no mesmo mês da coroação do imperador D. Pedro II.
Após este agitado período político, o arcebispo Romualdo Seixas foi efetivado como membro honorário do Instituto, sendo motivado a auxiliar o bom êxito da busca ao interior da Bahia. Com a influência de importantes personalidades, certamente a empresa não demoraria a colocar-se em campo. No mês de outubro Benigno enviou outra carta para a capital, desta vez tratando de minas descobertas recentemente na região da serra da Mangabeira (BA), acreditando que seriam as minas de Muribeca, muito perseguidas pelos bandeirantes. Além de interesses políticos, cada vez mais a planejada viagem a campo do cônego cercava-se de intenções econômicas.
No início de novembro, o presidente do IHGB (visconde de São Leopoldo), realizou uma petição ao imperador, solicitando financiamento para a expedição. A importância desse empreendimento foi ressaltada pelo documento principalmente pelo seu caráter utilitário. Caso falhasse em seu objetivo maior, ao menos a exploração poderia encontrar "terrenos incultos, e ainda não desafiados no interior do Brasil"13. Situando-se em uma região pouco conhecida, a cidade perdida poderia fornecer elementos de ordem mineralógica, como também terrenos para a agricultura. Competindo com o grande tema da Revista do IHGB ? a etnografia indígena ? as pesquisas do espaço geográfico nacional sempre foram muito destacadas. A publicação de narrativas de viagens, explorações, novas delimitações cartográficas e territoriais, contribuiriam para a construção do império tropical. Todo estudo para desmantelar o incógnito e o vazio de conhecimento era sempre muito incentivado pela elite.
É evidente que as regiões próximas à capital tiveram um interesse imediato por suas importâncias econômicas ou políticas. Em uma carta remetida ao secretário perpétuo, um viajante mineiro enviou dados do
(...) deserto que separa as povoações da provincia de Minas Geraes, e às povoações do littoral nas Provincias do Rio de Janeiro, Espirito Sancto, e Bahia (...) derramando algumas luzes sobre os pontos pouco conhecidos dessa interessante porção de territorio ainda oculto14.
A província da Bahia, nesse contexto, tinha uma situação estratégica. Somente o seu litoral era bem conhecido nesse período, e a expedição de Benigno coincidia com essa necessidade de desvendar o que se denominou de deserto: tudo aquilo que não foi ainda explorado, abrangendo florestas, matas, rios e montanhas. Na realidade, estamos tratando aqui de uma categoria cultural muito mais ampla, a imagem do sertão. Mais do que simples locais interiores do império, são "espaços desconhecidos, inacessíveis, isolados, perigosos, dominados pela natureza bruta e habitados por bárbaros, hereges, infiéis, onde não haviam chegado as benesses da religião, da civilização e da cultura"15. Extraviada no incógnito, a cidade perdida da Bahia esteve associada com a imagem do sertão. Um exemplo pode ser percebido com o coronel Ignácio Aciolli Silva. Especialista nos temas da província baiana, estava inserido nesse contexto de elucidação do espaço geográfico e, ao mesmo tempo, no estudo da cidade perdida. Em 1840 recolheu informações populares sobre esse tema, e tencionava descobrir outros dados sobre os vestígios de antigas habitações, que teriam sido ultimamente encontrados nas escavações de diamantes da serra do Assuruá. O sertão torna-se, ao mesmo tempo, um empecilho para a civilização ? por seu caráter de nulidade territorial, e um potencial econômico ? pode revelar imensas riquezas. A busca de ruínas implicava solucionar essas duas problemáticas, completando a proposta da unidade territorial: "A motivação para pensar o Brasil é a convicção de uma nação incompleta, por isso o dito sobre o sertão se faz com ares de diagnose e, mais, reveste-se de acusações à sua permanência enquanto fardo para o país"16.
Outro aspecto ressaltado na petição ao imperador foi a respeito da expedição de Benigno como interiorização da civilização. Buscou-se através do avanço científico a dominação do espaço selvagem, mas também a propagação dos ideais de civilidade, moral e religião. Afinal o buscador da cidade esquecida não foi um padre? O mesmo princípio de algumas expedições naturalistas e de pacificação indígena, que além do explorador/cientista sempre participava um religioso. Em Benigno essa função foi unificada dentro do contexto de uma missão heróica semelhante à dos jesuítas, ao interferirem na realidade americana durante o período colonial. Mesmo o documento dirigido ao imperador parece apontar nas entrelinhas esse fato. Para o visconde de São Leopoldo, a civilização estacionou nos locais onde justamente existiram as missões jesuíticas "e que não são de certo as que devem constituir os limites occidentais de nosso império"17.
Quatro dias depois da solicitação, prontamente houve uma resposta positiva por parte do imperador. Novamente se manifestou o presidente do Instituto, muito otimista por certo ao verificar que sua petição fora aceita. Recentemente coroado, D. Pedro II iniciou seu relacionamento com a construção de uma identidade nacional, mas também com a política cultural que se praticava nesse período. Com isso, ao mesmo tempo em que o imperador participava do mais entusiasmado e pretensioso projeto do Instituto na sua primeira década de existência, também refletia sua credibilidade na existência de uma remota civilização esquecida em nosso País. E também, nada mais conveniente ao seu recente governo do que a descoberta de imponentes ruínas no remoto brasílico.
No início de dezembro, finalmente o obstinado padre Benigno colocou-se em campo. Desta vez conseguiu chegar à região pretendida, onde permaneceu por muito tempo. Enquanto a capital aguardava com ansiedade qualquer notícia de seus resultados, a expectativa criava muitas hipóteses favoráveis aos propósitos da agremiação. Na terceira sessão pública de fundação do IHGB, em dezembro de 1841, o imperador novamente compareceu, revelando o prestígio dessa solenidade. Comparados com os anos anteriores, os discursos e conferências foram muito mais exaltados. Depois de três anos de atividades, as pesquisas começavam a formar uma sólida crença em um passado capaz de rivalizar-se com o das grandes nações, inspirando também a formação de novos rumos para o futuro. Totalmente convicto disso, o presidente do Instituto, visconde de São Leopoldo, realizou um discurso incitando a procura de novas fronteiras do conhecimento, pela qual a conquista de descobertas inusitadas inflamariam o espírito humano. O desfecho da palestra glorificou o mecenato imperial18.
Influenciada pelo conceito francês de civilização, a elite imperial procurava demonstrar constantemente a ligação do Brasil com o Velho Mundo e sua cultura. Desta maneira, utilizava um parâmetro de comparação com outras formas de sociedade, como a dos ameríndios, para poder expressar seus próprios valores e se auto-afirmar. Como o próprio visconde afirmou, o imperador conclamou os resultados do Instituto, na expectativa futura da nação alcançar os patamares superiores do mundo contemporâneo. A descoberta da cidade perdida refletiria diretamente nesta imagem do Brasil: uma nação em progresso, portadora de vestígios arqueológicos, conhecimentos científicos, ideais e costumes elevados. A própria imagem de D. Pedro II foi relacionada, mecenas culto que patrocinou o possível desvendar da maior glória pretendida nesse período.
O próximo intelectual a pronunciar-se, o cônego Januário Barbosa, manteve os mesmos ideais. Relatando as principais atividades, projetos e descobertas nos últimos três anos, o secretário perpétuo não omitiu o fato dos temas indígenas terem ocupado a maior parte das preocupações da instituição. Mas qual o motivo desse grande interesse? O próprio Barbosa esclareceu:
(...) investigar o gráo de civilisação a que haviam chegado os povos do novo Mundo antes de apparecerem ás vistas de seus descobridores, força era que nos costumes dos Indios procurassemos o fio, que nos deve conduzir a tempos muitos mais anteriores19.
Se as pesquisas etnográficas e a literatura conduziam a um interesse objetivo pela imagem do indígena heróico, puro e honroso, os estudos arqueológicos tentavam encontrar indícios muito mais promissores. A grande antiguidade desses possíveis vestígios foi sempre mencionada como um indicativo de sua sofisticada civilização. Pois as sociedades pré-cabralinas ? encontradas pelos europeus no período de descobrimento ? eram muito primitivas (aos olhos dos nossos nacionalistas), com os grandes acontecimentos do passado esquecidos pelos seus habitantes, confiantes apenas na tradição oral. Nesta situação, as investigações etnográficas pouco poderiam contribuir para elucidar a questão do fio condutor para a geração dos tempos antigos. Para reforçar suas hipóteses, Januário Barbosa citou Von Martius, repetindo toda a sua longa carta publicada um ano antes no mesmo periódico.
Devemos perceber que esses argumentos procuravam legitimar politicamente a expedição do cônego Benigno, recentemente enviada pelo interior baiano com os custos imperiais. Louvado por Barbosa como gênio da arqueologia, o religioso foi caracterizado como uma espécie de herói por ter-se embrenhado em tão cerradas florestas e ter de atingir serras ainda não devassadas. Ao enaltecer o custeamento por parte de D. Pedro II, Januário Barbosa ainda insistiu nos perigos da empresa ao caracterizá-la como muito arriscada. Ao final, porém, a justificativa foi feita por outros meios, repetindo os argumentos anteriores da petição do IHGB.
Ao mesmo tempo procurando calar as vozes opositoras, que negavam a existência destas civilizações perdidas, essa justificativa atendia ao alargamento das fronteiras econômicas da nação. O conhecimento geográfico propiciava interessantes retornos financeiros sob a forma de minérios valiosos, terras para a agricultura, habitação e a exploração de recursos naturais. E também o melhor controle político das fronteiras entre as províncias, estas com enormes extensões desconhecidas entre as capitais e o interior. As fantásticas ruínas da Bahia ainda foram apontadas como um
(...) perduravel monumento, que marque nas gerações futuras o feliz reinado de nosso Augusto Protector o Senhor D. Pedro II, e que chame as vistas das Academias e dos sabios do mundo a este grande territorio, cuja geographia, ainda mais que sua historia, se acha desgraçadamente confusa, por não dizer ignorada.
Anteriormente, na comentada petição, o visconde de São Leopoldo também havia caracterizado a cidade baiana como um possível monumento histórico desconhecido.
Ao início da formação do novo império, a elite intelectual já demonstrava um interesse objetivo em vincular vestígios monumentais com o reinado de D. Pedro II. E essas tão almejadas ruínas poderiam simbolizar a perenidade da nação brasileira. Ao mesmo tempo, rompendo a nossa vinculação histórica com Portugal, ao demonstrar que outras civilizações européias estiveram em nosso solo muito tempo antes. Mas não podemos limitar o uso simbólico do passado apenas a vestígios arqueológicos e históricos. O próprio espaço físico foi utilizado pela elite imperial para dar credibilidade a uma idéia de nação.
Seguindo seus pensamentos, Barbosa relatou a aprovação de uma comissão que deveria reunir em um único volume todas as informações geográficas disponíveis, formando um grande atlas brasileiro, eternizando a gloria dos trabalhos do império. As características do espaço físico deveriam formar também uma memória, que o historiador José Bittencourt denominou de território largo e profundo, isto é, as simbolizações de espaço e tempo efetuadas pela elite intelectual que, somadas com representações históricas, foram importantes elementos na formação do Estado Imperial20. Com isso, o secretário ao relacionar os objetivos da comissão do atlas como sendo a busca de monumentos, estava mencionando acidentes físicos que poderiam caracterizar a grandeza do império, e assim como as ruínas humanas, poderiam ser transformados em ícones simbólicos da nação. Percebemos que:
(...) todo imaginário social, da mesma forma que possui um forte componente político, possui também um forte componente espacial pelo poder simbólico atribuído aos objetos geográficos, naturais ou construídos, que estão em relação direta com a existência humana. Em outras palavras, todo imaginário social pode revelar-se imaginário geográfico21.
Aqui também verificamos outro conceito, de que a paisagem geográfica é uma construção imaginária, enfim, uma representação cultural de determinada sociedade ou indivíduo. Os planos da elite imperial para a construção de uma nação tropical, necessariamente estavam assentados em determinados símbolos geográficos, sem o qual este imaginário político não teria legitimidade.
Não esgotando estes recursos simbólicos visando à estruturação do poder imperial, a Revista do IHGB mantinha-se aguardando as notícias de seus associados. E a aventura de Benigno de Carvalho estava distante de um fim. Em duas cartas recebidas já no início de 1842, percebemos as dificuldades da expedição. O cônego afirmou que a quantia de 600 réis recebida para os custeios eram insuficientes para realizar o trajeto almejado, obrigando-o a tomar um caminho mais curto. Logo em seguida, em outra carta enviada da mesma província, o nosso conhecido coronel Ignacio Accioli Silva preocupou-se com o sucesso da referida expedição, por acreditar que os recursos eram muito escassos. Quatro meses depois o mesmo coronel enviou outra correspondência noticiando que a expedição ainda não tinha retornado22. Somente em agosto a ansiedade geral seria em parte desfeita, após o recebimento de um novo e detalhado relatório.
Ao contrário do anterior, esse prospecto não era nada animador. O obstinado padre lamentou em todo o documento as privações e dificuldades de concluir a sua missão, além da falta absoluta de recursos financeiros. Aguardando uma possível quantia a ser enviada pelo governador da província, o expedicionário efetuou diversas obras de desmatamento, abertura de estradas e queimadas. Diante de tantas intempéries, o padre adoeceu por diversas vezes de febre e malária, ficando com grande debilidade física. Recebendo uma resposta negativa do governador, o general Andréa, Benigno encontrava-se numa difícil situação. Sem dinheiro e saúde para chegar ao local pretendido, só lhe restava especular ainda mais sobre o instigante assunto antes de retornar para Salvador. Enviou o ordenança do grupo e um negro das redondezas para investigar a região do rio Parassusinho, os quais após 15 dias retornaram sem sucesso23. Não sem antes contatar pessoas no rio Grande, que teriam descoberto um quilombo perdido no Sincorá. Benigno terminou o relatório acreditando que escravos fugidos teriam dominado as antigas ruínas, esperando retornar para verificar a exatidão dessas informações. Para isso necessitava novamente de subsídios do Instituto, que estipulou em 350.000 réis.
Depois de dois anos de buscas infrutíferas, os acadêmicos imperiais começaram a tornar-se mais críticos com relação ao sucesso desse empreendimento. O coronel Ignacio Accioli Silva, ele mesmo anteriormente um caçador de cidades perdidas, enviou uma carta em 1843 com certa ironia. De um início totalmente entusiástico, a descoberta dos gloriosos monumentos baianos começou a revelar-se frustrada. A realidade de nosso panorama pré-histórico e etnográfico parecia querer suprimir todas as fantasias construídas na década anterior. Mas o mito ainda conseguiu sobreviver por algum tempo.
A MIRAGEM CUSTA A DESAPARECER
cperdida3Um ano depois, a persistência do incansável Benigno de Carvalho mais uma vez iria prosseguir na academia. Uma nova correspondência (1844) atualizou suas pesquisas no desconhecido interior baiano. Desistindo da procura pela margem direita do Paraguaçu, agora concentrou seus esforços na região do rio Orobó. Acreditava que a cidade estaria a poucos dias de jornada. Organizando nova expedição com um número maior de pessoas e equipamentos, partiu em direção do local mencionado. Mas em vez de efetuar somente explorações, iniciou a construção de uma ponte e de uma estrada, ligando as margens do rio Tingá com a vila de Santo Amaro24. Qual foi a motivação real desses gastos com tempo e dinheiro, atrasando o objetivo principal do empreendimento? Benigno devia querer aproveitar todo o investimento em soluções concretas para o desenvolvimento da região. Lembremos da anterior petição realizada pelo IHGB ao imperador e dos relatórios do secretário perpétuo, todos aludindo aos interesses econômicos da expedição. Sendo criticado nessa altura dos acontecimentos por alguns opositores, a utilização empírica do dinheiro contribuiria para os objetivos desejados. Outra possibilidade, pequena mas não improvável, é que o padre sofria de diversas doenças na ocasião (reumatismo no braço, malária, inflamação do fígado), que o impossibilitaram de maiores aventuras por regiões selvagens.
No desfecho de sua correspondência, Benigno apresentou provas para a existência da famigerada cidade, entre as quais um testemunho pessoal provindo de um escravo chamado Francisco, que afirmou ter estado nas ditas ruínas! Não descartamos a antiga existência do folclore popular a respeito de cidades encantadas, nem a tradição de quilombos desconhecidos aos quais aludimos anteriormente. Porém, deve-se também ressaltar que os objetivos da missão de Benigno, já há alguns anos internado pelo sertão, deviam ser conhecidos pela maioria dos habitantes dessas regiões. O contato do explorador erudito com as comunidades, nesse caso, deve ter sofrido intenções veladas. O escravo Francisco afirmou que esteve no quilombo quando jovem, vindo a ser cativo na idade adulta. Mas desejoso da alforria, Francisco reforçou o relato com vistas a agradar o entusiasmado pesquisador do Instituto. Se é certo que esses quilombos existiam ainda no período que o padre explorou a região, seus vínculos com a cidade perdida foram puramente imaginários.
O instigante tema da cidade perdida voltou à ordem do dia no IHGB, com a publicação de outra carta de Benigno Cunha, em abril de 1845. Escrita quatro meses antes para o presidente da Bahia, o tenente Andréa, ao mesmo tempo foi um relatório geral de todas as suas expedições, assim como uma espécie de última e desesperada tentativa de credibilidade para o assunto. Afinal, já haviam se passado três anos de explorações sem nenhum resultado concreto. O próprio padre, pela primeira vez apresentou alguns sinais de descrença, porém um novo contato com narrativas de idosos das localidades próximas reanimou suas posteriores convicções ? como a existência de veados brancos (que foram citados no documento bandeirante). Ainda baseado nas descrições do negro Francisco de Orobós (aquele que pedia a alforria), aumentou para três o número de quilombos existentes ao redor da cidade perdida. Já sabemos que o presidente Andréa não partilhava de grandes otimismos quanto a essa expedição. E o pedido de mais soldados, cavalos e dinheiro para Benigno, nunca foi atendido. Nem mesmo sua estupenda afirmação final surtiu efeito: "Eu me animo a affirmar a V.Ex., que a cidade está descoberta"25. É evidente que essa declaração tinha propósitos imediatos para conseguir maiores recursos, mas para o contexto posterior do Instituto, surtiu efeitos avassaladores. Um deles, foi iniciar as contestações acerca da veracidade desse local. O fim da miragem estava próximo.
Benigno Cunha não se comunicou mais com a capital a partir de 1845. Somente no ano seguinte enviou outra carta para o general Andréa, em Salvador, publicada no periódico O Crepusculo, do Instituto Literário de Salvador. A redação da revista inicialmente comentou as pesquisas do padre com extrema ironia. Foram contrários à existência da localidade, principalmente pelo fato de não existirem outros restos de civilização pré-histórica no Estado. Para estes intelectuais, seria um melhor investimento da expedição o levantamento topográfico da Bahia.
E de certa forma foi o que propôs este último relatório, enviado para o também descrente presidente da província. Benigno não citou uma única vez em toda a narrativa o tema da localidade abandonada. Seus estudos foram baseados em um mapa enviado pelo general Andréa, do qual não forneceu maiores detalhes. Basicamente, o padre questionou as bases empíricas de todo o levantamento cartográfico existente a respeito do interior da Bahia, nos mapas de Eschwege, Spix e Von Martius. O relato possui um momento curioso comparado com outras cartas do padre. Dedicou muitas linhas para descrever com grande entusiasmo uma caverna situada no rio Prata, onde percebemos um surgimento de imagens delirantes, típicas de exploradores em situações de extrema dificuldade ou frustração.
Em meados de 1846 o general Andréa, com aprovação da assembléia provincial da Bahia, retirou as ordenanças e o auxílio financeiro ao expedicionário. Benigno permaneceu em campo, provavelmente na região do Sincorá até 1848. Surgiram boatos de que teria ficado louco, escutando sinos e outros sons. Escreveu para o bispo Romualdo Seixas, solicitando faculdades espirituais para beneficiar os habitantes da nova cidade a ser descoberta, onde em breve entraria. Outros rumores desse período diziam que Benigno teria realmente encontrado as almejadas ruínas, e que minérios preciosos estariam sendo explorados por seus superiores hierárquicos26. O que sabemos de concreto é que retornou frustrado para Salvador, vindo a falecer nesta cidade em 1849.
Neste momento refletimos sobre as razões de tanto empenho por parte de Benigno. Seriam apenas fantasias individuais? A fé cega em um mito não pode ser entendida apenas nessa perspectiva, pois como afirmou Girardet, "o mito só pode ser compreendido quando é intimamente vivido, mas vivê-lo impede dar-se conta dele objetivamente"27. Dessa maneira, acreditamos que a análise mítica pode partir de um referencial social de longa duração, mas explicando as atitudes individuais em um contexto histórico. Tanto o comportamento quanto as imagens do desafortunado religioso foram semelhantes às de aventureiros e religiosos que também buscaram outras cidades imaginárias durante a história americana. O maravilhoso ? as imagens que expressam o desconhecido geográfico através do fantástico ? são as estruturadoras básicas dessas aventuras. Os conquistadores coloniais, bandeirantes e arqueólogos modernos, desta maneira, foram impelidos por razões diferenciadas (políticas, econômicas ou culturais), mas seguindo as mesmas diretrizes: a busca por cidades imaginárias, situadas em regiões desconhecidas do incógnito brasileiro. O entusiasmo inicial em ambos os tipos de buscadores não era apoiado em evidências diretas, mas geralmente pelo mecanismo da paralipse. Uma estratégia narrativa que consiste em transferir a autenticidade do relato ou da existência de uma localidade imaginária para outros personagens. O famoso Walter Raleigh, ao tratar do Eldorado, legitimou sua existência com informações de indígenas locais, do mesmo modo que Benigno ao utilizar-se do folclore baiano.
O maravilhoso também foi um reflexo do poder. Os aventureiros coloniais expressaram em seus atos aos indígenas, a imagem do poder imperial europeu. E os representantes do IHGB ampliaram as fronteiras do conhecimento geográfico, ao mesmo tempo em que realizaram atividades de interesse da elite imperial. Se para os conquistadores, as cidades imaginárias estruturavam-se em imagens de abundantes riquezas, atendendo aos interesses mercantilistas do colonialismo, para os arqueólogos do império brasileiro as nossas ruínas irreais atendiam ao ideal da construção de uma nova ordem social e política ? a nação dos trópicos.
E a cidade perdida? Quase findando a década, surgiu uma última e desesperada tentativa de elucidar o mistério. Estamos no ano de 1848. O major Manoel Rodrigues de Oliveira enviou da Bahia para a capital um estudo contestando a localização proposta por Benigno ? região do Sincorá ? e propondo uma nova interpretação do documento, baseada principalmente em indícios encontrados no interior da província. Oliveira chamou a atenção dos intelectuais cariocas para duas regiões em especial, a primeira situada entre a vila de Belmonte (entre os rios Paraguaçu e Una, centro-sul da Bahia), e a outra em Provisão (sudoeste baiano, próximo à cidade de Camamu). Na primeira foram localizados vestígios de móveis antigos, louças, balaústres, ferramentas, vidros, e na segunda, foices, machados e espadas de ferro. Tratava-se, obviamente, de objetos pertencentes a grupos exploradores, mineradores ou antigas guarnições coloniais. Inclusive, no relato original da cidade perdida, não ocorre nenhuma referência a móveis, alfaias ou objetos cotidianos como vidros e louças, pois os bandeirantes encontraram as casas somente em ruínas. Peças de ferro e ferramentas também não faziam parte da Relação. O único e exclusivo ponto em comum com esses objetos coloniais, foi a menção de uma moeda de ouro ao final do manuscrito.
Ao mesmo tempo em que criticou as pesquisas do cônego, Oliveira concebeu hipóteses fantasiosas muito mais ousadas do que seu predecessor. Fez um breve esboço do alcance urbano dessa perdida civilização no centro da Bahia. Teriam construído um ancoradouro às margens do rio Paraguaçu, uma estrada de acesso próximo ao rio Una, e as pedreiras de mármore da serra teriam sido utilizadas para fabricação de estátuas e monumentos. Mas para as vistas da intelectualidade carioca, os pontos levantados pelo major tiveram uma aceitação reservada. Constituíam sem qualquer margem de dúvida provas concretas de que o sertão possuía um passado desconhecido, mas que a exploração empírica falhava em atingir. O documento enviado também recordou o caráter utilitário para a formação de novas expedições de busca: a descoberta de riquezas para o império28.
Mas com a morte do desafortunado cônego Benigno em 1849, morreram também as expectativas do império brasileiro em encontrar o seu "espelho" civilizacional na pré-história. Esse eclipse da cidade perdida no período se deve também em parte aos protestos de intelectuais baianos. O presidente e a assembléia provincial nunca foram favoráveis aos intentos de Benigno. Seu fracasso apenas reforçou essas convicções. Mesmo o estudo do major Manoel Oliveira foi severamente contestado. Outro militar, o brigadeiro José da Costa Bittencourt Camara, publicou em 1849 na revista Razão (Canavieiras, BA), uma crítica às conclusões de Oliveira. O brigadeiro acreditava que o documento bandeirante era apócrifo. Algum explorador esperto teria descoberto diamantes no Sincorá ficando muito rico, mas por remorsos teria fabricado o dito roteiro, baseado nas formas geológicas do local. Também algumas importantes agremiações de Salvador opunham-se à existência dessas ruínas, como a Sociedade Instructiva e o Instituto Literário. Um sócio do IHGB, Theophilo Benedicto Ottoni, concordava em opinião com o brigadeiro José Camara. Tendo também explorado o Sincorá, acreditava que o roteiro bandeirante era uma alegoria das minas de diamante da região, elaborado para disfarçar a sua exata localização. Estabelecia ainda que alguns detalhes do relato realmente eram verdadeiros, porém obras da natureza.
Ao final da década de 40, temos também como opositor ninguém menos que o bispo metropolitano da Bahia, o marquês de Santa Cruz. Acusou o desiludido cônego de ter-se afastado de suas ocupações eclesiásticas básicas, perseguindo uma quimera e efetuando uma "empresa verdadeiramente cômica." Mas sabemos que o próprio bispo foi um dos grandes instigadores da busca dessa controvertida localidade. Assim, dos pontos de vista político, econômico e mesmo cultural, a existência das ruínas baianas passou para segundo plano, sendo o ano de 1849 um divisor das pesquisas arqueológicas no império. Marcou o fim de um período de muito entusiasmo, em que o mito foi um grande atrativo para os pesquisadores.
CONCLUSÃO: AS METAMORFOSES DO MITO
As ruínas buscadas por décadas no império brasileiro possuem uma especificidade histórica bem definida, constituindo um conjunto de imagens relacionadas com o advento da arqueologia moderna. Imagens estas determinadas por parâmetros mediterrânicos, a exemplo das cidades romanas como Pompéia e Herculano. Sabemos hoje que essas ruínas brasileiras nunca existiram, e o que os estudiosos perseguiram foi uma miragem, um mito arqueológico. A cidade perdida da Bahia, concebida através do manuscrito 512, esteve impregnada de elementos culturais setecentistas, como detalhes arquitetônicos, pórticos, pirâmides, estátuas, praças, e principalmente, vestígios epigráficos. Sua interpretação pelos acadêmicos oitocentistas deve ser entendida por meio de teorias arqueológicas vinculadas com esse momento, a exemplo do difusionismo e das recentes descobertas de ruínas maias na América Central.
Mas este contexto histórico não explica a credibilidade e longevidade do mito, apenas sua especificidade temporal. O manuscrito bandeirante despertou inicialmente o interesse acadêmico (1839), mas a sua legitimação ? o primeiro passo efetuado para diferenciar a Relação de uma simples fábula, oposta à razão, o confronto entre mythos e logos ? ocorreu somente quando houve contato com o folclore baiano a respeito das cidades encantadas. Em 1840, intelectuais enviaram de Salvador para a capital notícias desses relatos, e a partir de 1841, o explorador Benigno de Carvalho, já em campo, recolheu inúmeras outras descrições orais. Desta maneira, a palavra concedeu uma legitimidade ao mito, muito maior que a escrita: "a verdadeira vida do mito tem sua fonte em uma palavra viva"29. A literatura e a escrita formam o grande valor demonstrativo do logos, contraposto à palavra do mythos. Com a afirmação de moradores da Bahia terem visto ou visitado tais ruínas, criaram-se condições muito mais profundas de sedução para a imagem da cidade perdida: "a narração oral desencadeia no público um processo de comunhão afetiva com as ações dramáticas que formam a matéria da narrativa"30. Desta maneira, um manuscrito velho, rasgado, quem sabe apócrifo, sozinho não explica porque houve tanto empenho por parte da academia, esta financiando expedições custosas e perpetuando o mito arqueológico por toda a década. A cultura erudita acabou fundindo estruturas narrativas próprias com as mantidas pela cultura popular ? cuja origem, por sua vez, provém de bases míticas muito mais antigas, herdeiras diretas de imagens coloniais.
Após esse momento inicial de legitimação, o mito passou a ter um valor de paradigma, constituindo um modelo de referência para se pensar no passado brasileiro. A partir de 1840, a aceitação da antiga existência da geração perdida ? uma civilização muito avançada, mas desaparecida sem deixar quase nenhum vestígio ? nos demonstra a inclusão do mito na História. Uma narrativa fabulosa, irreal, foi interpretada dentro de um discurso "verdadeiro", autenticando uma forma ideal de como deveria ter sido o Brasil dos tempos antigos, sem nenhuma evidência concreta para confirmá-la:
Dentro do que o saber histórico chama de 'mitoso', o ilusório se nutre da memória antiga, e o fictício se apropria das narrativas dos logógrafos, das investigações dos arqueólogos e das litanias dos genealogistas.
A partir desse pressuposto, toda uma escala de valores sociais foi reforçada, a exemplo do caldeamento racial proposto por Von Martius em 1845. O sentido de civilização que se pretendia criar nos trópicos durante o império foi baseado em um modelo situado na aurora dos tempos, uma sociedade sofisticada, mas que decaiu e cujos resquícios deveriam ser resgatados a todo custo. Um monumento que refletiria o Brasil para o mundo, para as grandes nações do Ocidente, completando todas as ansiedades e ausências simbólicas que o segundo império enfrentava no seu início: "Em sua forma autêntiva, o mito trazia respostas sem jamais formular explicitamente os problemas."
A partir desse momento paradigmático, em que a cidade perdida serviu de referencial ético, social e civilizatório para o império, o mito assumiu conotações muito semelhantes a estruturas míticas universais. Sua busca, neste contexto, foi similar à de outros mitos, em locais e épocas diferentes:
(...) no seio de uma cultura os mitos, quando nos parecem se contradizer, correspondem-se tão bem uns aos outros que fazem referência, em suas próprias variáveis, a uma linguagem comum, que estão todos inscritos no mesmo horizonte intelectual e que só podem ser decifrados no quadro geral onde cada versão particular assume seu valor e seu relevo em relação a todas as outras.
De uma perspectiva histórica e única, podemos então observar semelhanças atemporais com as cidades imaginárias do período colonial, e mesmo com modelos clássicos. Tanto a Atlântida, o Eldorado, o lago Eupana e Parimé, como a cidade perdida da Bahia, foram buscados por propósitos diferentes, sejam motivos de ordem econômica, colonialista, científica, cada um dentro do contexto social de sua época. À medida que essas narrativas prolongam sua existência, modelos míticos básicos surgem em sua elaboração. Assim, aparecem constantes atemporais, como as motivações paradisíacas e o retorno da Idade do Ouro: imagens de uma antiga ordem, de um tempo idílico situado no início da humanidade, que revela a inocência total e a felicidade social absoluta. Outra constante foi o deslocamento geográfico ? toda cidade imaginária foi buscada em diversos locais, movendo-se conforme o devassamento do ignoto e o processo de colonização. Sempre baseadas no mecanismo do maravilhoso, essas narrativas acabaram encontrando suas limitações justamente na esfera territorial. Quando o espaço desconhecido tornou-se esgotado em todos os seus aspectos, o mito arqueológico foi eliminado de seus símbolos básicos, sendo contestado racionalmente. Aqui ocorreu um retorno ao confronto entre mythos e logos: o que era entendido antes como realidade, agora é transportado novamente ao terreno da fantasia, do quimérico, do irreal. As ruínas da Bahia, ao final do império, foram eliminadas do campo acadêmico, relegadas a uma condição de miragem provocada por antigos pesquisadores. Porém, toda elaboração simbólica nunca morre definitivamente, sendo transformada em uma nova narrativa, ocasionando sua sobrevivência para o novo século: "os mitos se respondem mutuamente e o aparecimento de uma versão ou de um mito novo se faz sempre em função daqueles que já existiam anteriormente". Assim, se para a ciência oficial a cidade perdida tornou-se uma aberração fantástica, por sua vez, estrangeiros e amadores brasileiros promoveram dezenas de expedições em sua busca, no início do século XX até nossos dias.
O historiador pode unicamente entender o lugar do mito na História, e nunca o seu significado mais profundo, pois ao racionalizar formas emotivo/imaginárias, penetra no campo da experiência, na ordem do existencial. Seja na forma de cidades feitas de ouro, ou de magníficos resquícios arquitetônicos, o mito assumiu várias páginas fascinantes da história brasileira, e que não podendo ser compreendido em sua totalidade, ao menos pudemos vislumbrar sua importância para o imaginário dos tempos imperiais.
O Manuscrito 512
O manuscrito 512, ou documento 512, consiste em um dos arquivos manuscritos da época Brasil colonianista que está guardado no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Tal documento, tem caráter expedicionário, e consiste em um relato de um grupo de bandeirantes, embora o nome de seu autor seja desconhecido.
Este manuscrito é a base da maior fábula arqueológica nacional, e um dos mais famosos documentos da Biblioteca Nacional. O acesso ao relato original é extremamente restrito atualmente, embora uma versão digitalizada dele tenha sido disponibilizada recentemente com a atualização digital da biblioteca nacional.
Descoberta e Valorização
Não obstante a datação do anos de 1753, estima-se que a escritura seja realmente setecentista por determinados aspectos relatados, seu descobrimento e noção de relevância, contudo, ocorreram apenas em 1839. De forma um tanto irônica para com a importância do documento, e ainda de maneira a reforçar todo o mito que envolve o objeto, o documento 512 foi encontrado ao acaso, esquecido no acervo da biblioteca da corte (então a biblioteca nacional).
O manuscrito, muito antigo, e já deteriorado pelo tempo, foi descoberto por Manuel Ferreira Lagos, e posteriormente entregue ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB); foi nas mãos de um dos fundadores do instituto que a escritura teve seu real valor reconhecido e e divulgado: após leitura o cônego Januário da Cunha Barbosa publicou uma cópia integral do manuscrito na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, com a adição de um prefácio no qual esboçava uma teoria de ligação entre o assunto do documento e a saga de Roberto Dias, um homem que fora aprisionado pela coroa portuguesa por se negar a fazer revelações a respeito de minas de metais preciosos na Bahia.
Em um contexto de busca da identidade nacional, e valoração dos atributos brasileiros, o documento ganhou um destaque e um enfoque cada vez maiores ao longo dos anos, tanto por parte de aventureiros, como intelectuais, religiosos, e até do próprio imperador Dom Pedro II. O tão investigado relato que faz o documento, e que foi motivo de sua relevância ao longo da história defendido arduamente por muitos, contestado calorosamente por outros, e obsessivamente buscado por alguns: o documento 512 traz o relato do encontro de alguns bandeirantes com as ruínas de uma cidade perdida, uma civilização arruinada em meio à selva brasileira com indícios de desenvolvimento cognitivo, além de riquezas, e um fim desconhecidos.
O Mito da Cidade Perdida
O documento que hoje traz o subtitulo de Relação histórica de uma occulta e grande povoação antiquissima sem moradores, que se descobriu no anno de 1753, narra o encontro do grupo de bandeirantes com ruínas de uma cidade perdida e desconhecida até então.
O relato da expedição, em sua parte mais conhecida, conta que houve quem avistasse de uma grande montanha brilhante, em consequência da presença de cristais e que atraiu a atenção do grupo, bem como seu pasmo e admiração. Tal montanha frustou o grupo ao tentar escalá-la, e transpô-la foi possível apenas por acaso, pelo fato de um negro que acompanhava a comitiva ter feito caça a um animal e encontrado na perseguição um caminho pavimentado em pedras que passada por dentro da montanha rumo a um destino ignorado.
Após atingir o topo da montanha de cristal os bandeirantes avistaram uma grande cidade, que a princípio confundiram com alguma pole já existente da costa brasileira e devidamente colonizada e civilizada, todavia ao inspecioná-la verificaram uma lista de estranhezas entre ela e o estilo local, além do fato de estar em alguns trechos completamente arruinada, e absoluta e totalmente vazia: seus prédios, muitos deles co mais de um andar jaziam abandonados e sem qualquer vestígio de presença humana, como móveis ou outros artefatos.
A entrada da cidade era possível apenas por meio de somente um caminho, macadamizado, e ornado na entrada com três arcos, o principal e maior ao centro, e dois menores aos lados; o autor do texto expedicionário observa que todos traziam inscrições em uma letra indecifrável no alto, que lhes foi impossível ler dada a altura dos arcos, e menos ainda reconhecer.
O aspecto da cidade narrada no documento 512 mescla caracteres semelhantes aos de civilizações antigas, porém traz ainda outros elementos inidentificados ou sem associação; o cronista observa que todas as casas do local semelhavam à apenas uma, por vezes ligadas entre si em uma construção simétrica e uníssona.
Há descrição de diversos ambientes observados pelos bandeirantes, admirados e confusos com seu achado, todos relatados com associações do narrador, tais como: a praça na qual se erguia uma coluna negra e sobre ela uma estátua que apontava o norte, o pórtico da rua que era encimado por uma figura despida da cintura para cima e trazia na cabeça uma coroa de louros, os edifícios imensos que margeavam a praça e traziam em relevo figuras de alguma espécie de corvos e cruzes.
Segundo a narrativa transcrita no documento, próximo a tal praça haveria ainda um rio que foi seguido pela comitiva e que terminaria em uma cachoeira, que aparentemente teria alguma função semelhante a de um cemitérios, posto que estava rodeada de tumbas com diversas inscrições, foi neste local que os homens encontraram um curioso objeto que segue descrito a seguir.
Entrementes, quando a expedição seguiu adiante e encontrou os rios Paraguaçu e Una, o manuscrito foi confeccionado em forma de carta, com o respectivo relato, e enviado às autoridades no Rio de Janeiro; a identidade dos bandeirantes do grupo aparentemente foi perdida, restando apenas o manuscrito enviado, e a localização da cidade supostamente visitada tornou-se um mistérios que viria atrair atenção de renomadas figuras históricas.
A Moeda de Ouro e O Rapaz Ajoelhado
O único objeto mencionado pela expedição de bandeirantes, que foi encontrado ao acaso, e descrito cuidadosamente na carta consiste em uma grande moeda confeccionada em ouro. Tal objeto, de existência e destino incógnitos, trazia emblemas em sua superfície: cravados na peça havia em uma face o desenho de um rapaz ajoelhado, e no reverso combinados permaneciam as imagens de um arco, uma coroa, e uma flecha.
Trechos Integrais do Manuscrito 512
(...) collumna de pedra preta de grandeza extraordinaria, e sobre ella huma Estatua de homem ordinario, com huma mao na ilharga esquerda, e o braço direito estendido, mostrando com o dedo index ao Polo do Norte; em cada canto da dita Praça está uma Agulha, a imitação das que uzavão os Romanos, mas algumas já maltratados, e partidos como feridas de alguns raios. (...)
Documentos
cperdida1A cidade perdida do sertão baiano passou por uma pesquisa minuciosa entre os anos de 1840 e 1847. Tudo porque, um ano antes, fora encontrado pelo naturalista português Manoel Ferreira Lagos um documento envelhecido, esquecido num canto da Livraria Pública da Corte (Atual Biblioteca Nacional). Era um velho manuscrito carcomido pela passagem do tempo que hoje é catalogado com o número 512, de 10 páginas com o título: “RELAÇÃO HISTÓRICA E OCCULTA, E GRANDE POVOAÇÃO ANTIQUÍSSIMA SEM MORADORES”. A região é inóspita. Os depoimentos nem sempre coincidem mas há vários pontos que confirmam relatos de uns e outros sobre ruínas espantosas. Apesar de não haver comprovação da realidade, os intelectuais e entusiastas acreditam que todos os esforços devem ser dedicados, pois que esses vestígios podem conduzir às grandes descobertas de um passado misterioso, não só do Brasil, mas envolvente para todo o continente sul-americano.
A lenda
Os relatos que falam da “Lenda da Montanha de Cristal” descreve uma montanha muito brilhante. Os bandeirantes não conseguiram escalá-la, mas um negro descobrira o caminho todo calçado de pedras por dentro da montanha. Do alto, dizia o relato, avistava-se uma enorme povoação. O local mostrava-se despovoado, assim, iniciaram sua exploração.
Esse único caminho de pedra levava até a entrada da fantástica cidade (prossegue o relato) até chegar à entrada com um portal que possuía três arcos de grande altura. Havia letras que não poderiam ser copiadas devido à grande altura do portal.
As casas eram construídas de forma simétrica e a cidade parecia uma só propriedade. As coberturas das casas eram, algumas de teto de ladrilho requeimado e outras de laje.
No final da rua, surgia uma praça regular com algo extraordinariamente grande: uma coluna de pedra preta bem ao centro com a estátua de um homem que apontava com o dedo indicador para o Pólo Norte. Em cada canto da praça, ao estilo romano, ficava uma agulha, algumas já destruídas pelo efeito de raios.
O relato continua
Outra grande figura encontrada sobre o pórtico principal da mesma rua, era coroada de louros e despida da cintura para baixo, trazendo estranhas inscrições abaixo do escudo. De ambos os lados da praça, edifícios grandiosos, sendo que o primeiro parecia um templo com figuras em relevo tais como corvos e cruzes. Muitos escombros e ruínas completava o cenário que era encontravado, parecendo que havia acontecido um terremoto.
Um grande rio passava do lado da praça, por onde os bandeirantes navegaram durante três dias até atingirem uma cachoeira. Também foi encontrada uma moeda de ouro desconhecida que trazia a gravura de um homem de joelhos. No verso da moeda, um arco, uma coroa e uma flecha.
A carta fez a lenda
De volta da expedição, os bandeirantes enviaram uma carta ao Rio de Janeiro, o que originou os manuscritos encontrado em 1839.
A autoria do manuscrito, segundo o pesquisador Heman Kruse e o historiador Pedro Calmon, foi conferida ao bandeirante João da Silva Guimarães, que teria percorrido os sertões da Bahia entre 1752 e 1753.
Estranho é que as autoridades brasileiras, depois de todos os esforços dos tempos do império, jamais se pronunciaram sobre essa miragem fantástica que desafia nossa imaginação. Parte dela ainda pode estar lá, envolvida pela vegetação, contando uma história bem diferente do que nos é ensinada nos livros escolares.
Por que seus vestígios teriam desaparecido, ficando apenas o mito?
Mito e Arqueologia no Império
Em um canto esquecido da Livraria Pública da Corte (atual Biblioteca Nacional), um manuscrito muito antigo e carcomido foi descoberto em 1839 pelo naturalista Manuel Ferreira Lagos, e entregue ao IHGB. Tratava-se do documento hoje conhecido como 512, com o título de Relação historica de uma occulta, e grande povoação antiquissima sem moradores. Sem saber, Lagos havia desencadeado o surgimento da mais conhecida fábula arqueológica do Brasil. Uma miragem fantástica, pela qual diversos intelectuais dedicariam todos os esforços para tentar solucioná-la.
Sapiente da enorme importância desse documento, o cônego Januário Barboza logo o publicou integralmente na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Não sem antes realizar um pequeno prefácio, onde apelou para o estudo das antigas tradições, reconstituindo a saga de Robério Dias, o Muribeca ? preso por não revelar ao governo português a localização de ricas minas de prata na Bahia. Mesmo sem nenhuma comprovação da realidade desta cidade, para os entusiasmados intelectuais tal Relação histórica era um vestígio que poderia conduzir a grandes descobertas. É muito importante a análise deste documento na conjuntura de sua época, também para entendermos mais a fundo a receptividade por parte do Instituto no Oitocentos. Inicialmente resumiremos a narrativa, definindo em seguida algumas hipóteses sobre o tema.
A ORIGEM DO MITO
O subtítulo da Relação esclarece o motivo da expedição pelos bandeirantes, a busca das minas de prata de Muribeca, na qual ficaram dez anos vagando nos sertões da Bahia. A estrutura da aventura não possui praticamente nenhum elemento fantástico, típico dos relatos quinhentistas sobre o Eldorado amazônico. Nem seres extraordinários, nem uma geografia pela qual o maravilhoso ditava totalmente as regras.
O início do relato descreve o encontro de uma montanha muito brilhante, devido à existência de cristais. Admirados pelo local, os bandeirantes no entanto não conseguiram escalar a formação rochosa. Um negro da expedição, ao tentar alcançar um veado branco (albino?), encontrou um caminho calçado por dentro da montanha, pelo qual a excursão seguiu adiante. Do alto da montanha, avistaram adiante uma "povoação grande, persuadindo-nos pelo dilatado da figura ser alguma cidade da Costa do Brazil"1. Após certificarem-se de que o local estava despovoado, iniciaram sua exploração.
O acesso para a cidade era feito por um único caminho de pedra. A entrada da urbe era formada por "tres arcos de grande altura, o do meio he maior, e os dous dos lados são mais pequenos: sobre o grande, e principal devizamos Letras que se não poderão copiar pela grande altura". Na cidade, as casas eram feitas com muita regularidade e simetria, parecendo "huma só propriedade de cazas, sendo em realidade muitas, e algumas com seus terrados descubertos, e sem telha, porque os tectos são de ladrilho requeimado huns, e de lages outros". Percorrendo o interior destas habitações, os bandeirantes não encontraram nenhum vestígio de móveis ou qualquer outro objeto. Ao final da rua, depararam com uma praça regular, que possuía em seu interior uma:
(...) collumna de pedra preta de grandeza extraordinaria, e sobre ella huma Estatua de homem ordinario, com huma mao na ilharga esquerda, e o braço direito estendido, mostrando com o dedo index ao Polo do Norte; em cada canto da dita Praça está uma Agulha, a imitação das que uzavão os Romanos, mas algumas já maltratados, e partidos como feridas de alguns raios.
Sobre o pórtico principal da rua, também situava-se uma "figura de meio relevo talhada da mesma pedra, e despida da cintura para cima, coroada de louro" e com inscrições abaixo do escudo. Nos lados esquerdo e direito da praça existiam edifícios imensos. O primeiro parecia, segundo os narradores, um templo com muitas figuras em relevo nas suas laterais, como cruzes e corvos. Outras partes da povoação, jaziam em grande escombro e muita ruína, que teria sido causado por um terremoto. Próximo à praça descrita, também havia um grande rio. Seguindo por ele, os bandeirantes após três dias encontraram uma enorme catadupa (cachoeira). Neste local, ocorriam grandes quantidades de furnas, muitas cobertas com lages e inscrições. Ainda entre as ruínas foi encontrada uma moeda de ouro muito grande, com "a imagem, ou figura de hum moço posto de Joelhos, e da outra parte hum arco, huma coroa, e huma sétta". Após chegarem na região entre os rios Paraguaçu e Una, os expedicionários enviaram uma carta ao Rio de Janeiro, originando o manuscrito original.
Inicialmente, devemos perceber que estas ruínas não pertencem ao modelo urbanístico colonial português ou espanhol. A possibilidade de terem encontrado algum centro de mineração, abandonado após o término da exploração, também é muito remota. Na metade do século XVIII, a maioria dos complexos mineradores ainda estava em atividade na Bahia. Inscrições, templos, pórticos e estátuas nos levam ao encontro de uma origem mediterrânea clássica, portanto, imaginária do relato. O problema principal é determinar como foi o contato com esse modelo europeu. A primeira metade do Setecentos foi marcada por uma grande efervescência clássica na Europa, antecipando uma matriz cultural para a data do manuscrito: a comparação das praças com as construídas pelos romanos; estátuas com coroa de louros; pórticos grandiosos; moedas de ouro e citações de acidentes geográficos ocidentais ("Alpes e Pyrinéos"; "Nillo"). Tudo isso nos leva a crer que o autor do relato estava profundamente inserido no contexto das descobertas arqueológicas e culturais que estavam sendo efetuadas na Europa ao início do séc. XVIII.
Mas existem também dois elementos na narrativa que fazem parte de tradições folclóricas muito mais antigas, advindas do séc. XVI. A primeira é referente aos montes de cristais reluzentes, no início do relato. Aventureiros descreveram pelo interior brasileiro a existência de montanhas e serras resplandescentes, associadas a metais e pedras preciosas. Essa tradição formou, a partir do Setecentos, o fundamento para alguns folclores bandeirantes, como a Lagoa Dourada (Eupana e Sabaroboçu). O historiador Buarque de Hollanda acreditava que essa tradição esteve intimamente relacionada com o mito do Paraíso Perdido, para o qual funcionaria como uma espécie de antecipação do maravilhoso: "da montanha que refulge passa-se muitas vezes sem dificuldade aos castelos, cidades, casas e igrejas de cristal, tão freqüentes nas clássicas visões do paraíso"2. Graças ao avistamento dessa montanha fascinante, os bandeirantes puderam localizar as ruínas baianas. Também muitas narrativas de cidades imaginárias possuíam uma estreita vinculação com montanhas feitas com metal precioso, como por exemplo o Eldorado. Outra tradição de origem colonial diz respeito a certa estátua, encontrada na Ilha dos Corvos (Açores), cujo folclore sobreviveu até o séc. XVIII, em forma literária ou poética. Segundo Damião de Góes, em sua Chronica do Principe D. Joam (1567), durante o reinado de D. Manuel, navegadores em incursão pela mencionada ilha descobriram, no cume de uma serra, uma imensa estátua de um homem vestido de bedém (túnica mourisca), sem barrete, com o braço estendido e a mão apontando para o poente. Abaixo da estátua foram ainda avistadas inscrições misteriosas, sem possibilidades de tradução. Já o poema Caramuru, de José de Santa Rita Durão (1781), também mencionou a célebre estátua: "E na ilha do Corvo, de alto pico (...) Onde acena o país do metal rico (...) Voltado estava ás partes do occidente, d'onde o aureo Brazil mostrava a dedo"3. Na cidade perdida da Bahia também existiria uma estátua central, cujo braço estendido apontava o dedo para o norte, com certas inscrições indecifráveis no mesmo local. Percebemos com essas duas tradições que o autor do manuscrito estava perpetuando um folclore mais antigo, incorporado ao universo dos bandeirantes e exploradores. Mas os elementos da arqueologia setecentista foram muito mais determinantes na estrutura do texto, como já mencionamos.
A descoberta e escavação de Herculanum iniciou-se em 1710, mas foi com a confirmação de seu nome e origem (1738) que estas ruínas romanas tornaram-se muito famosas. Pompéia foi escavada, por sua vez, a partir de 1748, e sua identificação ocorreu apenas em 1768. Podemos também estabelecer uma relação destas ruínas romanas, principalmente Herculanum, com a cidade do manuscrito, ao perceber que o terremoto citado pelo bandeirante é uma catástrofe natural semelhante ao vulcão (no caso, o Vesúvio). A natureza interferindo na obra humana. Outra questão é identificar como essas matrizes foram conhecidas no Brasil. A primeira publicação em larga escala dos vestígios romanos apareceu somente em 1756, com o livro L'antichità romana de Piranese, três anos após a descoberta da cidade baiana. É possível, deste modo, que o autor da imaginária cidade tenha estado anteriormente na própria Europa em contato com esse panorama cultural.
O pesquisador Hermann Kruse e o historiador Pedro Calmon estabeleceram como autor do manuscrito em questão, o bandeirante João da Silva Guimarães. Percorrendo os desconhecidos sertões da Bahia entre 1752-53, ele teria noticiado a descoberta das muito procuradas minas de prata de Robério Dias, justamente na região dos rios Paraguaçu e Una4. Uma similaridade de data e localização com a prescrita na Relação da cidade abandonada. Exames efetuados pela Casa da Moeda dois anos depois, porém, declararam que as minas não passavam de minérios sem nenhum valor. Aturdido, Guimarães foi conviver com os índios, desaparecendo após 1764. A obra de Pedro Calmon nos forneceu outra pista valiosa para a elucidação da origem histórica deste mito. Um dos auxiliadores das buscas de Guimarães foi o governador da província mineira, Martinho de Mendonça de Pena e de Proença. Examinando sua biografia, descobrimos que ele tinha sido bibliotecário, poliglota e filólogo, membro da Real Academia de Lisboa.
Além de ter proferido uma palestra sobre megalitismo português (Discurso sobre a significação dos altares rudes e antiquissimos, 1733), Proença também realizou, em 1730, uma investigação sobre as misteriosas inscrições de São Tomé das Letras, em Minas Gerais. A partir de 1738, estes caracteres se tornaram muito famosos, circulando cópias por toda a província. Ao analisarmos uma dessas reproduções, percebemos grande semelhança de alguns glifos com os da cidade perdida, principalmente cruzes e letras latinas. Além disso, foram interpretados por um dos autores da reprodução, Mateus Saraiva, como sendo caracteres romanos. No período em que circulavam as cópias, o bandeirante João Guimarães abandonara Vila Rica e partira em missão exploratória para as regiões dos rios São Mateus, Doce e Pardo, todos na província mineira. Atacado por índios, foi então auxiliado pelo governador Martinho Proença. Talvez a origem do mito esteja nesse antigo contato, entre um bandeirante ávido por ouro e um acadêmico interessado em arqueologia. Proença tinha todas as condições para criar a imagem de uma cidade em ruínas semelhante às romanas, repleta de inscrições, enquanto Guimarães desejava a todo custo encontrar riquezas sem fim. O acadêmico morreu em Lisboa (1743), e João Guimarães anunciou oficialmente, em 1752, a descoberta de minas de prata pelo interior baiano, escrevendo em seguida o manuscrito da cidade perdida.
O INÍCIO DAS BUSCAS
Os investigadores do Instituto Histórico não conheciam os autores do manuscrito, mas mesmo assim a narrativa foi encarada como um fato totalmente verdadeiro. Ao contrário das tribos indígenas, habitantes de rudimentares choupanas, essas ruínas aventavam a possibilidade de uma antiga civilização muito adiantada ter ocupado a jovem nação. Imediatamente, todos os esforços em encontrar esses maravilhosos vestígios foram efetuados. Em uma reunião do IHGB, o autor da descoberta do manuscrito, Manuel Lagos, oferecera-se para litografar e doar 500 exemplares das inscrições da cidade perdida.
Ao completar uma ano de fundação em 1839, o Instituto Histórico apresentava sob a forma do relatório de seu secretário os resultados obtidos durante esse percurso. Se não eram completos, ao menos revelavam uma franca esperança no cumprimento das suas metas básicas de recuperar as origens da nação. Ao citar estupendas descobertas arqueológicas em países muito próximos do Brasil, como Palenque no México e fortificações no Peru, Januário Barboza deixou claro que tais vestígios também podiam ser encontrados no império. A Europa recentemente maravilhara-se com publicações sobre ruínas maias, como Vues des Cordillères et Monuments deus Peuples Indigènes de l'Amérique (1810, de Humboldt), Antiquites of México (1831, de Lord Kingsborough), e Voyage pittoresque et archéologique dans la province d'Yucatan et aux ruines d'Itzalane (1838, de Jean Waldeck). É claro que os intelectuais brasileiros também esperavam encontrar indícios tão promissores nas desconhecidas florestas do Brasil5.
Advindo o novo ano de 1840, surgiram novas referências sobre o intrigante tema. Dois eruditos, o cel. Ignacio Accioli Silva e A. Moncorvo, residentes na Bahia, enviaram dados baseados em descrições regionais:
(...) sobre a cidade abandonada nos sertões desta província (...) que não parece ser fabuloso, pelas coincidentes noticias de varios antigos moradores, e exploradores dos sertões, pois por tradição se falla em uma grande Povoação, ou Cidade desprezada e que dizem a habitáram Indios e negros fugidos6.
Na tentativa de conseguir informações sobre a antiga cidade, os investigadores acabaram por contatar manifestações do folclore de muitos séculos. Conhecidas pela denominação de cidades encantadas por toda a América Latina, foram metamorfoses de antigos mitos coloniais, como o Eldorado e tradições bandeirantes, formando um rico e elaborado imaginário popular. Muitas destas tradições de cidades encantadas sobrevivem até os dias de hoje por meio da transmissão oral, mas algumas também foram incorporadas à literatura e à poesia, como Maiundeua e Axuí (Pará e Maranhão). Sendo um campo praticamente inexplorado pelos historiadores, é muito difícil elaborar análises sem maiores conhecimentos de fontes. Resta apenas tentar criar hipóteses entre essa aludida entrevista dos eruditos com os populares, ou seja, como as tradições coloniais sobreviveram na forma folclórica do século XIX. Essas cidades encantadas teriam sofrido influências do relato de Guimarães?
Voltamos novamente ao livro de Pedro Calmon.
Nele, o historiador afirmou que após a morte do bandeirante João Guimarães em 1766, rumores sobre ruínas já tinham sido criados por populares. Quando se iniciou a grande extração de diamantes na Bahia, a partir de 1844 na região da Chapada Diamantina, o folclore estava bem consolidado. Mas também não podemos descartar a interferências de outras tradições antigas, como as de redutos indígenas e quilombos pela província, como a própria entrevista dos membros do IHGB deixou claro.
Na Bahia ocorrem diversos vestígios de antigos quilombos, como nas regiões de Bom Jesus da Lapa e Rio das Rãs. Relatos imaginários também são muito freqüentes por toda a região. Em Lagoa Santa (MG), existe a fábula de uma cidade submersa através de uma catástrofe, muito similar ao mito de uma cidade submarina de esmeraldas que ocorre na área do médio rio São Francisco, na Bahia. Percebemos, desta maneira, que o mito popular foi reinterpretado pelo imaginário erudito, reforçando as convicções vigentes sobre um passado grandioso prestes a ser revelado.
cperdida2Nesse início de 1840, para além do entusiasmo dos eruditos filiados ao Instituto, também os estrangeiros estavam profundamente interessados na confirmação das enigmáticas ruínas. Uma expedição naturalista provinda de Copenhague, a bordo da fragata Bellone, teve como passagem o porto de Salvador. Composta pelos militares Suenson e Schultz, além do botânico Kruger, encarregados de examinar a misteriosa localidade. Não chegaram nem a concretizar a expedição ao local, por falta de maiores informações geográficas: "Mais rien ne fut exécuté, et nous en sommes encore réduits aux conjectures sur cette antique cité"7. O grupo também obteria informações do arcebispo da Bahia, Romualdo Seixas, que no ano anterior fora citado como membro do IHGB na categoria de sócio correspondente. Mais tarde viria a ser conhecido como marquês de Santa Cruz. Importante personagem no cenário político daquele momento, como primaz do Brasil, foi quem presidiu em 1841 a solenidade de sagração de D. Pedro II. Ainda durante os anos 40, Seixas seria admitido como sócio na Sociedade Real dos Antiquários do Norte, demonstrando seu grande interesse por assuntos arqueológicos.
Os dados trazidos do interior da Bahia por Moncorvo e Accioli, além do interesse do arcebispo Romualdo, seriam reforçados por uma inesperada carta de Munique, assinada por Carl Von Martius. Constituindo-se na gênese da futura dissertação Como se deve escrever a História do Brasil, o documento foi lido com muito interesse na sessão realizada em agosto de 1840. No periódico da agremiação, publicaram-se determinados trechos do manuscrito, procedimento que segundo nossa interpretação, procurava demonstrar somente as idéias mais importantes para as metas projetadas nesta época.
A primeira imagem esboçada por Von Martius foi a respeito de um passado muito remoto para os primeiros brasileiros. A confirmação das diferenças civilizacionais entre essa povoação e os indígenas contemporâneos se fez através da idéia de contingente populacional e padrões de nobreza. Essa primeira idéia já havia sido levantada, de maneira oposta, pelos deflagadores da inferioridade americana durante o Setecentos. Para Buffon, Raynal e De Pauw, as informações dos cronistas e viajantes sobre as sociedades ameríndias eram falsas, pois a população das cidades pré-colombianas seria muito pequena, com os índios espalhados pelo campo. A concepção geológica de um continente novo contrariava a idéia de uma grande população urbana na América. Com isso, uma remota ancestralidade e uma grande população seriam fundamentais para definir a outrora sociedade que existiu no Brasil.
As provas desse suposto tempo antigo, segundo Von Martius, seriam encontradas na mitologia indígena e em vestígios arqueológicos nesta região central do nosso País. Nada mais conveniente para as metas do Instituto do que essas hipóteses que encaminhavam para uma formidável descoberta em solo brasileiro. Na mesma sessão, o historiador Varnhagen declarou: "uma proposta para methodicamente serem recolhidas pelo Instituto as possiveis noticias sobre essa grande geração decadente"8. Conciliando dessa maneira as pesquisas sobre as inscrições fenícias da pedra da Gávea (dessa mesma época), a cidade da Bahia e as observações do sábio alemão, o Instituto sentia-se seguro para estabelecer um panorama otimista de nossos vestígios, determinando para todos os agremiados a busca dessa geração perdida.
UM VIAJANTE DO MARAVILHOSO
Conscientes de que a glorificação monumental só poderia ocorrer através de explorações, os membros do Instituto nomearam em 1840 o cônego Benigno José de Carvalho e Cunha para encontrar a cidade perdida da Bahia. Quais foram os motivos da escolha deste religioso? As pistas nos levam a um contexto externo ao IHGB. Benigno era professor, poliglota, especialista em línguas orientais e padre subordinado ao arcebispo Romualdo Seixas na Bahia. Suas ligações eram muito profundas, tanto que em 1840 dedicou um de seus livros (A religião da razão) a este arcebispo. As razões para o interesse de Seixas para com a cidade perdida são obscuras. O mais provável é que mantivesse um controle sobre todos os fatos científicos e culturais reinantes em sua província, indicando desta maneira o cônego Benigno para encontrar as tão almejadas ruínas.
Ainda no ano de 1840, em princípios de novembro, Benigno de Carvalho chegou a Salvador em seu período de férias. Neste local, recolheu informações de viajantes que estiveram no interior da Bahia, como o desembargador Mascarenhas de Assis e o dr. Remigio Andrade. O cônego encontrou algumas contestações da legitimidade de sua expedição. A credibilidade da cidade perdida, apesar de sua grande aceitação acadêmica, não era um fato absolutamente genérico. Sem desanimar, negou o caráter fabuloso das ruínas baseado principalmente na estrutura narrativa do documento bandeirante. Percebe-se que Benigno concebia o manuscrito como um autêntico diário de campo, onde os fatos descobertos foram sendo narrados fielmente. Ao mesmo tempo uma história muito simples e ingênua, o documento incluiria detalhes estranhos ao universo bandeirante, como as supostas inscrições avistadas: "como lembrariam a mineiros os caracteres gregos, ou runnos" 9? Essa lógica interna, também percebida pelos outros membros do Instituto e até alguns estrangeiros, constituiu a prova mais tangível da existência do fascinante local.
A primeira problemática colocada em campo por Benigno foi a localização exata do sítio. Concentrando-se no único detalhe geográfico mencionado no documento, que relata a existência de um riacho de frente à cidade, pelo qual os aventureiros desceram e após três dias chegaram aos rios Paraguassu e Una, firmou sua hipótese, na qual o lugar indicado pelo documento seria a serra do Sincorá. Em seguida passou a obter maiores referências sobre essa serra com os moradores das regiões litorâneas. Ainda na cidade de Salvador, o cônego realizou diversos estudos hidrográficos, todos baseados apenas nos mapas do período. Acreditava o cônego que gastaria 14 dias seguindo o mesmo trajeto dos bandeirantes até a cidade, mas como estava no final das férias, começou a abandonar a idéia de concretizar efetivamente a busca no distante recanto. Planejava ir somente até a cidade de Valença, a maior vila da região, onde obteria maiores informações sobre o rio Braço do Sincorá, se possuía cachoeiras e minas ao seu redor, confirmando o relato dos bandeirantes.
Chegando na cidade de Valença em 5 de fevereiro de 1841, o padre foi acompanhado de um rapaz chamado Ordinando, recebendo um salvo conduto do presidente da província. Que não chegou a ser utilizado, pois devido à grande quantidade de chuvas na região, a expedição foi cancelada. O resto de sua estada na cidade histórica de Valença foi ocupado recolhendo tradições orais dos antigos moradores. O primeiro entrevistado foi Antonio Joaquim da Cruz, que tinha viajado pelas regiões interioranas da Bahia. Afirmava que teria subido o Sincorá e que a cidade perdida ficaria localizada em uma mata na direção leste, mas não teve coragem para adentrá-la. Confirmou ainda a existência de uma grande cachoeira e de profundas minas que emitiriam um estranho estampido. De outros moradores de avançada idade recolheu informações sobre uma cidade muito antiga destruída por um
(...) terremoto, outros que por alluvião (inundação): alguns affirmam que ella existe, mas que nella está um dragão que traga quem lá se approxima; outros dizem que quem lá vai não volta; e a este respeito me contaram uma anedocta de certo coadjutor (sacerdote) que foi a desobriga (visita clerical) para aquelles sitios, e nunca mais appareceu, etc. etc.10.
Observamos aqui alguns exemplos de cidades encantadas presentes no folclore baiano. Todos estes aspectos sugerem uma origem muito mais antiga, anterior à bandeira de João Guimarães no séc. XVIII. Isso pode ser conferido, por exemplo, com o desfecho catastrófico sugerido para a cidade. Terremotos e inundações foram muito comuns em outras cidades imaginárias, como a Atlântida grega. Também tiveram grande influência simbolismos bíblicos, a exemplo do dilúvio universal, por sua vez muito populares nas teorias eruditas a partir do Setecentos, explicando a origem da humanidade. O aspecto do desaparecimento de pessoas que visitaram a cidade também é percebido em outras localidades imaginárias sul-americanas, como a Ciudad de los Césares. No Brasil, temos os casos de Maiandeua (Maranhão) e Grozongo (Pernambuco), cidades fabulosas que desaparecem sem deixar vestígios. No Estado da Bahia, o folclore de taperas abandonadas que se afundam no chão ainda é muito comum11.
Todos estes testemunhos colhidos por Benigno reforçaram suas convicções e hipóteses, confirmando a situação da cidade perdida na região do Sincorá. Planejando a futura expedição para o final de 1841, esclareceu em uma carta enviada em fevereiro ao Instituto, que essa jornada seria muito "longa e perigosa por causa das serpentes e onças, em que abundam aqueles sitios; há selvagens, porêm mansos". Apesar destas aparentes dificuldades, solicitou à agremiação carioca subsídios financeiros para a execução da viagem em pelo menos dois contos de réis.
Entraram em cena mais uma vez os poderosos aliados de Benigno. Um parecer realizado pela comissão de história do Instituto estipulou a publicação dos documentos enviados pelo padre, além do pedido imediato de verbas ao governo, para o êxito da expedição12. E caso não fosse possível a realização de um mapa da viagem, que ao menos os responsáveis publicassem um relatório detalhado da mesma. Em julho foi impressa a memória de Benigno na Revista do IHGB, no mesmo mês da coroação do imperador D. Pedro II.
Após este agitado período político, o arcebispo Romualdo Seixas foi efetivado como membro honorário do Instituto, sendo motivado a auxiliar o bom êxito da busca ao interior da Bahia. Com a influência de importantes personalidades, certamente a empresa não demoraria a colocar-se em campo. No mês de outubro Benigno enviou outra carta para a capital, desta vez tratando de minas descobertas recentemente na região da serra da Mangabeira (BA), acreditando que seriam as minas de Muribeca, muito perseguidas pelos bandeirantes. Além de interesses políticos, cada vez mais a planejada viagem a campo do cônego cercava-se de intenções econômicas.
No início de novembro, o presidente do IHGB (visconde de São Leopoldo), realizou uma petição ao imperador, solicitando financiamento para a expedição. A importância desse empreendimento foi ressaltada pelo documento principalmente pelo seu caráter utilitário. Caso falhasse em seu objetivo maior, ao menos a exploração poderia encontrar "terrenos incultos, e ainda não desafiados no interior do Brasil"13. Situando-se em uma região pouco conhecida, a cidade perdida poderia fornecer elementos de ordem mineralógica, como também terrenos para a agricultura. Competindo com o grande tema da Revista do IHGB ? a etnografia indígena ? as pesquisas do espaço geográfico nacional sempre foram muito destacadas. A publicação de narrativas de viagens, explorações, novas delimitações cartográficas e territoriais, contribuiriam para a construção do império tropical. Todo estudo para desmantelar o incógnito e o vazio de conhecimento era sempre muito incentivado pela elite.
É evidente que as regiões próximas à capital tiveram um interesse imediato por suas importâncias econômicas ou políticas. Em uma carta remetida ao secretário perpétuo, um viajante mineiro enviou dados do
(...) deserto que separa as povoações da provincia de Minas Geraes, e às povoações do littoral nas Provincias do Rio de Janeiro, Espirito Sancto, e Bahia (...) derramando algumas luzes sobre os pontos pouco conhecidos dessa interessante porção de territorio ainda oculto14.
A província da Bahia, nesse contexto, tinha uma situação estratégica. Somente o seu litoral era bem conhecido nesse período, e a expedição de Benigno coincidia com essa necessidade de desvendar o que se denominou de deserto: tudo aquilo que não foi ainda explorado, abrangendo florestas, matas, rios e montanhas. Na realidade, estamos tratando aqui de uma categoria cultural muito mais ampla, a imagem do sertão. Mais do que simples locais interiores do império, são "espaços desconhecidos, inacessíveis, isolados, perigosos, dominados pela natureza bruta e habitados por bárbaros, hereges, infiéis, onde não haviam chegado as benesses da religião, da civilização e da cultura"15. Extraviada no incógnito, a cidade perdida da Bahia esteve associada com a imagem do sertão. Um exemplo pode ser percebido com o coronel Ignácio Aciolli Silva. Especialista nos temas da província baiana, estava inserido nesse contexto de elucidação do espaço geográfico e, ao mesmo tempo, no estudo da cidade perdida. Em 1840 recolheu informações populares sobre esse tema, e tencionava descobrir outros dados sobre os vestígios de antigas habitações, que teriam sido ultimamente encontrados nas escavações de diamantes da serra do Assuruá. O sertão torna-se, ao mesmo tempo, um empecilho para a civilização ? por seu caráter de nulidade territorial, e um potencial econômico ? pode revelar imensas riquezas. A busca de ruínas implicava solucionar essas duas problemáticas, completando a proposta da unidade territorial: "A motivação para pensar o Brasil é a convicção de uma nação incompleta, por isso o dito sobre o sertão se faz com ares de diagnose e, mais, reveste-se de acusações à sua permanência enquanto fardo para o país"16.
Outro aspecto ressaltado na petição ao imperador foi a respeito da expedição de Benigno como interiorização da civilização. Buscou-se através do avanço científico a dominação do espaço selvagem, mas também a propagação dos ideais de civilidade, moral e religião. Afinal o buscador da cidade esquecida não foi um padre? O mesmo princípio de algumas expedições naturalistas e de pacificação indígena, que além do explorador/cientista sempre participava um religioso. Em Benigno essa função foi unificada dentro do contexto de uma missão heróica semelhante à dos jesuítas, ao interferirem na realidade americana durante o período colonial. Mesmo o documento dirigido ao imperador parece apontar nas entrelinhas esse fato. Para o visconde de São Leopoldo, a civilização estacionou nos locais onde justamente existiram as missões jesuíticas "e que não são de certo as que devem constituir os limites occidentais de nosso império"17.
Quatro dias depois da solicitação, prontamente houve uma resposta positiva por parte do imperador. Novamente se manifestou o presidente do Instituto, muito otimista por certo ao verificar que sua petição fora aceita. Recentemente coroado, D. Pedro II iniciou seu relacionamento com a construção de uma identidade nacional, mas também com a política cultural que se praticava nesse período. Com isso, ao mesmo tempo em que o imperador participava do mais entusiasmado e pretensioso projeto do Instituto na sua primeira década de existência, também refletia sua credibilidade na existência de uma remota civilização esquecida em nosso País. E também, nada mais conveniente ao seu recente governo do que a descoberta de imponentes ruínas no remoto brasílico.
No início de dezembro, finalmente o obstinado padre Benigno colocou-se em campo. Desta vez conseguiu chegar à região pretendida, onde permaneceu por muito tempo. Enquanto a capital aguardava com ansiedade qualquer notícia de seus resultados, a expectativa criava muitas hipóteses favoráveis aos propósitos da agremiação. Na terceira sessão pública de fundação do IHGB, em dezembro de 1841, o imperador novamente compareceu, revelando o prestígio dessa solenidade. Comparados com os anos anteriores, os discursos e conferências foram muito mais exaltados. Depois de três anos de atividades, as pesquisas começavam a formar uma sólida crença em um passado capaz de rivalizar-se com o das grandes nações, inspirando também a formação de novos rumos para o futuro. Totalmente convicto disso, o presidente do Instituto, visconde de São Leopoldo, realizou um discurso incitando a procura de novas fronteiras do conhecimento, pela qual a conquista de descobertas inusitadas inflamariam o espírito humano. O desfecho da palestra glorificou o mecenato imperial18.
Influenciada pelo conceito francês de civilização, a elite imperial procurava demonstrar constantemente a ligação do Brasil com o Velho Mundo e sua cultura. Desta maneira, utilizava um parâmetro de comparação com outras formas de sociedade, como a dos ameríndios, para poder expressar seus próprios valores e se auto-afirmar. Como o próprio visconde afirmou, o imperador conclamou os resultados do Instituto, na expectativa futura da nação alcançar os patamares superiores do mundo contemporâneo. A descoberta da cidade perdida refletiria diretamente nesta imagem do Brasil: uma nação em progresso, portadora de vestígios arqueológicos, conhecimentos científicos, ideais e costumes elevados. A própria imagem de D. Pedro II foi relacionada, mecenas culto que patrocinou o possível desvendar da maior glória pretendida nesse período.
O próximo intelectual a pronunciar-se, o cônego Januário Barbosa, manteve os mesmos ideais. Relatando as principais atividades, projetos e descobertas nos últimos três anos, o secretário perpétuo não omitiu o fato dos temas indígenas terem ocupado a maior parte das preocupações da instituição. Mas qual o motivo desse grande interesse? O próprio Barbosa esclareceu:
(...) investigar o gráo de civilisação a que haviam chegado os povos do novo Mundo antes de apparecerem ás vistas de seus descobridores, força era que nos costumes dos Indios procurassemos o fio, que nos deve conduzir a tempos muitos mais anteriores19.
Se as pesquisas etnográficas e a literatura conduziam a um interesse objetivo pela imagem do indígena heróico, puro e honroso, os estudos arqueológicos tentavam encontrar indícios muito mais promissores. A grande antiguidade desses possíveis vestígios foi sempre mencionada como um indicativo de sua sofisticada civilização. Pois as sociedades pré-cabralinas ? encontradas pelos europeus no período de descobrimento ? eram muito primitivas (aos olhos dos nossos nacionalistas), com os grandes acontecimentos do passado esquecidos pelos seus habitantes, confiantes apenas na tradição oral. Nesta situação, as investigações etnográficas pouco poderiam contribuir para elucidar a questão do fio condutor para a geração dos tempos antigos. Para reforçar suas hipóteses, Januário Barbosa citou Von Martius, repetindo toda a sua longa carta publicada um ano antes no mesmo periódico.
Devemos perceber que esses argumentos procuravam legitimar politicamente a expedição do cônego Benigno, recentemente enviada pelo interior baiano com os custos imperiais. Louvado por Barbosa como gênio da arqueologia, o religioso foi caracterizado como uma espécie de herói por ter-se embrenhado em tão cerradas florestas e ter de atingir serras ainda não devassadas. Ao enaltecer o custeamento por parte de D. Pedro II, Januário Barbosa ainda insistiu nos perigos da empresa ao caracterizá-la como muito arriscada. Ao final, porém, a justificativa foi feita por outros meios, repetindo os argumentos anteriores da petição do IHGB.
Ao mesmo tempo procurando calar as vozes opositoras, que negavam a existência destas civilizações perdidas, essa justificativa atendia ao alargamento das fronteiras econômicas da nação. O conhecimento geográfico propiciava interessantes retornos financeiros sob a forma de minérios valiosos, terras para a agricultura, habitação e a exploração de recursos naturais. E também o melhor controle político das fronteiras entre as províncias, estas com enormes extensões desconhecidas entre as capitais e o interior. As fantásticas ruínas da Bahia ainda foram apontadas como um
(...) perduravel monumento, que marque nas gerações futuras o feliz reinado de nosso Augusto Protector o Senhor D. Pedro II, e que chame as vistas das Academias e dos sabios do mundo a este grande territorio, cuja geographia, ainda mais que sua historia, se acha desgraçadamente confusa, por não dizer ignorada.
Anteriormente, na comentada petição, o visconde de São Leopoldo também havia caracterizado a cidade baiana como um possível monumento histórico desconhecido.
Ao início da formação do novo império, a elite intelectual já demonstrava um interesse objetivo em vincular vestígios monumentais com o reinado de D. Pedro II. E essas tão almejadas ruínas poderiam simbolizar a perenidade da nação brasileira. Ao mesmo tempo, rompendo a nossa vinculação histórica com Portugal, ao demonstrar que outras civilizações européias estiveram em nosso solo muito tempo antes. Mas não podemos limitar o uso simbólico do passado apenas a vestígios arqueológicos e históricos. O próprio espaço físico foi utilizado pela elite imperial para dar credibilidade a uma idéia de nação.
Seguindo seus pensamentos, Barbosa relatou a aprovação de uma comissão que deveria reunir em um único volume todas as informações geográficas disponíveis, formando um grande atlas brasileiro, eternizando a gloria dos trabalhos do império. As características do espaço físico deveriam formar também uma memória, que o historiador José Bittencourt denominou de território largo e profundo, isto é, as simbolizações de espaço e tempo efetuadas pela elite intelectual que, somadas com representações históricas, foram importantes elementos na formação do Estado Imperial20. Com isso, o secretário ao relacionar os objetivos da comissão do atlas como sendo a busca de monumentos, estava mencionando acidentes físicos que poderiam caracterizar a grandeza do império, e assim como as ruínas humanas, poderiam ser transformados em ícones simbólicos da nação. Percebemos que:
(...) todo imaginário social, da mesma forma que possui um forte componente político, possui também um forte componente espacial pelo poder simbólico atribuído aos objetos geográficos, naturais ou construídos, que estão em relação direta com a existência humana. Em outras palavras, todo imaginário social pode revelar-se imaginário geográfico21.
Aqui também verificamos outro conceito, de que a paisagem geográfica é uma construção imaginária, enfim, uma representação cultural de determinada sociedade ou indivíduo. Os planos da elite imperial para a construção de uma nação tropical, necessariamente estavam assentados em determinados símbolos geográficos, sem o qual este imaginário político não teria legitimidade.
Não esgotando estes recursos simbólicos visando à estruturação do poder imperial, a Revista do IHGB mantinha-se aguardando as notícias de seus associados. E a aventura de Benigno de Carvalho estava distante de um fim. Em duas cartas recebidas já no início de 1842, percebemos as dificuldades da expedição. O cônego afirmou que a quantia de 600 réis recebida para os custeios eram insuficientes para realizar o trajeto almejado, obrigando-o a tomar um caminho mais curto. Logo em seguida, em outra carta enviada da mesma província, o nosso conhecido coronel Ignacio Accioli Silva preocupou-se com o sucesso da referida expedição, por acreditar que os recursos eram muito escassos. Quatro meses depois o mesmo coronel enviou outra correspondência noticiando que a expedição ainda não tinha retornado22. Somente em agosto a ansiedade geral seria em parte desfeita, após o recebimento de um novo e detalhado relatório.
Ao contrário do anterior, esse prospecto não era nada animador. O obstinado padre lamentou em todo o documento as privações e dificuldades de concluir a sua missão, além da falta absoluta de recursos financeiros. Aguardando uma possível quantia a ser enviada pelo governador da província, o expedicionário efetuou diversas obras de desmatamento, abertura de estradas e queimadas. Diante de tantas intempéries, o padre adoeceu por diversas vezes de febre e malária, ficando com grande debilidade física. Recebendo uma resposta negativa do governador, o general Andréa, Benigno encontrava-se numa difícil situação. Sem dinheiro e saúde para chegar ao local pretendido, só lhe restava especular ainda mais sobre o instigante assunto antes de retornar para Salvador. Enviou o ordenança do grupo e um negro das redondezas para investigar a região do rio Parassusinho, os quais após 15 dias retornaram sem sucesso23. Não sem antes contatar pessoas no rio Grande, que teriam descoberto um quilombo perdido no Sincorá. Benigno terminou o relatório acreditando que escravos fugidos teriam dominado as antigas ruínas, esperando retornar para verificar a exatidão dessas informações. Para isso necessitava novamente de subsídios do Instituto, que estipulou em 350.000 réis.
Depois de dois anos de buscas infrutíferas, os acadêmicos imperiais começaram a tornar-se mais críticos com relação ao sucesso desse empreendimento. O coronel Ignacio Accioli Silva, ele mesmo anteriormente um caçador de cidades perdidas, enviou uma carta em 1843 com certa ironia. De um início totalmente entusiástico, a descoberta dos gloriosos monumentos baianos começou a revelar-se frustrada. A realidade de nosso panorama pré-histórico e etnográfico parecia querer suprimir todas as fantasias construídas na década anterior. Mas o mito ainda conseguiu sobreviver por algum tempo.
A MIRAGEM CUSTA A DESAPARECER
cperdida3Um ano depois, a persistência do incansável Benigno de Carvalho mais uma vez iria prosseguir na academia. Uma nova correspondência (1844) atualizou suas pesquisas no desconhecido interior baiano. Desistindo da procura pela margem direita do Paraguaçu, agora concentrou seus esforços na região do rio Orobó. Acreditava que a cidade estaria a poucos dias de jornada. Organizando nova expedição com um número maior de pessoas e equipamentos, partiu em direção do local mencionado. Mas em vez de efetuar somente explorações, iniciou a construção de uma ponte e de uma estrada, ligando as margens do rio Tingá com a vila de Santo Amaro24. Qual foi a motivação real desses gastos com tempo e dinheiro, atrasando o objetivo principal do empreendimento? Benigno devia querer aproveitar todo o investimento em soluções concretas para o desenvolvimento da região. Lembremos da anterior petição realizada pelo IHGB ao imperador e dos relatórios do secretário perpétuo, todos aludindo aos interesses econômicos da expedição. Sendo criticado nessa altura dos acontecimentos por alguns opositores, a utilização empírica do dinheiro contribuiria para os objetivos desejados. Outra possibilidade, pequena mas não improvável, é que o padre sofria de diversas doenças na ocasião (reumatismo no braço, malária, inflamação do fígado), que o impossibilitaram de maiores aventuras por regiões selvagens.
No desfecho de sua correspondência, Benigno apresentou provas para a existência da famigerada cidade, entre as quais um testemunho pessoal provindo de um escravo chamado Francisco, que afirmou ter estado nas ditas ruínas! Não descartamos a antiga existência do folclore popular a respeito de cidades encantadas, nem a tradição de quilombos desconhecidos aos quais aludimos anteriormente. Porém, deve-se também ressaltar que os objetivos da missão de Benigno, já há alguns anos internado pelo sertão, deviam ser conhecidos pela maioria dos habitantes dessas regiões. O contato do explorador erudito com as comunidades, nesse caso, deve ter sofrido intenções veladas. O escravo Francisco afirmou que esteve no quilombo quando jovem, vindo a ser cativo na idade adulta. Mas desejoso da alforria, Francisco reforçou o relato com vistas a agradar o entusiasmado pesquisador do Instituto. Se é certo que esses quilombos existiam ainda no período que o padre explorou a região, seus vínculos com a cidade perdida foram puramente imaginários.
O instigante tema da cidade perdida voltou à ordem do dia no IHGB, com a publicação de outra carta de Benigno Cunha, em abril de 1845. Escrita quatro meses antes para o presidente da Bahia, o tenente Andréa, ao mesmo tempo foi um relatório geral de todas as suas expedições, assim como uma espécie de última e desesperada tentativa de credibilidade para o assunto. Afinal, já haviam se passado três anos de explorações sem nenhum resultado concreto. O próprio padre, pela primeira vez apresentou alguns sinais de descrença, porém um novo contato com narrativas de idosos das localidades próximas reanimou suas posteriores convicções ? como a existência de veados brancos (que foram citados no documento bandeirante). Ainda baseado nas descrições do negro Francisco de Orobós (aquele que pedia a alforria), aumentou para três o número de quilombos existentes ao redor da cidade perdida. Já sabemos que o presidente Andréa não partilhava de grandes otimismos quanto a essa expedição. E o pedido de mais soldados, cavalos e dinheiro para Benigno, nunca foi atendido. Nem mesmo sua estupenda afirmação final surtiu efeito: "Eu me animo a affirmar a V.Ex., que a cidade está descoberta"25. É evidente que essa declaração tinha propósitos imediatos para conseguir maiores recursos, mas para o contexto posterior do Instituto, surtiu efeitos avassaladores. Um deles, foi iniciar as contestações acerca da veracidade desse local. O fim da miragem estava próximo.
Benigno Cunha não se comunicou mais com a capital a partir de 1845. Somente no ano seguinte enviou outra carta para o general Andréa, em Salvador, publicada no periódico O Crepusculo, do Instituto Literário de Salvador. A redação da revista inicialmente comentou as pesquisas do padre com extrema ironia. Foram contrários à existência da localidade, principalmente pelo fato de não existirem outros restos de civilização pré-histórica no Estado. Para estes intelectuais, seria um melhor investimento da expedição o levantamento topográfico da Bahia.
E de certa forma foi o que propôs este último relatório, enviado para o também descrente presidente da província. Benigno não citou uma única vez em toda a narrativa o tema da localidade abandonada. Seus estudos foram baseados em um mapa enviado pelo general Andréa, do qual não forneceu maiores detalhes. Basicamente, o padre questionou as bases empíricas de todo o levantamento cartográfico existente a respeito do interior da Bahia, nos mapas de Eschwege, Spix e Von Martius. O relato possui um momento curioso comparado com outras cartas do padre. Dedicou muitas linhas para descrever com grande entusiasmo uma caverna situada no rio Prata, onde percebemos um surgimento de imagens delirantes, típicas de exploradores em situações de extrema dificuldade ou frustração.
Em meados de 1846 o general Andréa, com aprovação da assembléia provincial da Bahia, retirou as ordenanças e o auxílio financeiro ao expedicionário. Benigno permaneceu em campo, provavelmente na região do Sincorá até 1848. Surgiram boatos de que teria ficado louco, escutando sinos e outros sons. Escreveu para o bispo Romualdo Seixas, solicitando faculdades espirituais para beneficiar os habitantes da nova cidade a ser descoberta, onde em breve entraria. Outros rumores desse período diziam que Benigno teria realmente encontrado as almejadas ruínas, e que minérios preciosos estariam sendo explorados por seus superiores hierárquicos26. O que sabemos de concreto é que retornou frustrado para Salvador, vindo a falecer nesta cidade em 1849.
Neste momento refletimos sobre as razões de tanto empenho por parte de Benigno. Seriam apenas fantasias individuais? A fé cega em um mito não pode ser entendida apenas nessa perspectiva, pois como afirmou Girardet, "o mito só pode ser compreendido quando é intimamente vivido, mas vivê-lo impede dar-se conta dele objetivamente"27. Dessa maneira, acreditamos que a análise mítica pode partir de um referencial social de longa duração, mas explicando as atitudes individuais em um contexto histórico. Tanto o comportamento quanto as imagens do desafortunado religioso foram semelhantes às de aventureiros e religiosos que também buscaram outras cidades imaginárias durante a história americana. O maravilhoso ? as imagens que expressam o desconhecido geográfico através do fantástico ? são as estruturadoras básicas dessas aventuras. Os conquistadores coloniais, bandeirantes e arqueólogos modernos, desta maneira, foram impelidos por razões diferenciadas (políticas, econômicas ou culturais), mas seguindo as mesmas diretrizes: a busca por cidades imaginárias, situadas em regiões desconhecidas do incógnito brasileiro. O entusiasmo inicial em ambos os tipos de buscadores não era apoiado em evidências diretas, mas geralmente pelo mecanismo da paralipse. Uma estratégia narrativa que consiste em transferir a autenticidade do relato ou da existência de uma localidade imaginária para outros personagens. O famoso Walter Raleigh, ao tratar do Eldorado, legitimou sua existência com informações de indígenas locais, do mesmo modo que Benigno ao utilizar-se do folclore baiano.
O maravilhoso também foi um reflexo do poder. Os aventureiros coloniais expressaram em seus atos aos indígenas, a imagem do poder imperial europeu. E os representantes do IHGB ampliaram as fronteiras do conhecimento geográfico, ao mesmo tempo em que realizaram atividades de interesse da elite imperial. Se para os conquistadores, as cidades imaginárias estruturavam-se em imagens de abundantes riquezas, atendendo aos interesses mercantilistas do colonialismo, para os arqueólogos do império brasileiro as nossas ruínas irreais atendiam ao ideal da construção de uma nova ordem social e política ? a nação dos trópicos.
E a cidade perdida? Quase findando a década, surgiu uma última e desesperada tentativa de elucidar o mistério. Estamos no ano de 1848. O major Manoel Rodrigues de Oliveira enviou da Bahia para a capital um estudo contestando a localização proposta por Benigno ? região do Sincorá ? e propondo uma nova interpretação do documento, baseada principalmente em indícios encontrados no interior da província. Oliveira chamou a atenção dos intelectuais cariocas para duas regiões em especial, a primeira situada entre a vila de Belmonte (entre os rios Paraguaçu e Una, centro-sul da Bahia), e a outra em Provisão (sudoeste baiano, próximo à cidade de Camamu). Na primeira foram localizados vestígios de móveis antigos, louças, balaústres, ferramentas, vidros, e na segunda, foices, machados e espadas de ferro. Tratava-se, obviamente, de objetos pertencentes a grupos exploradores, mineradores ou antigas guarnições coloniais. Inclusive, no relato original da cidade perdida, não ocorre nenhuma referência a móveis, alfaias ou objetos cotidianos como vidros e louças, pois os bandeirantes encontraram as casas somente em ruínas. Peças de ferro e ferramentas também não faziam parte da Relação. O único e exclusivo ponto em comum com esses objetos coloniais, foi a menção de uma moeda de ouro ao final do manuscrito.
Ao mesmo tempo em que criticou as pesquisas do cônego, Oliveira concebeu hipóteses fantasiosas muito mais ousadas do que seu predecessor. Fez um breve esboço do alcance urbano dessa perdida civilização no centro da Bahia. Teriam construído um ancoradouro às margens do rio Paraguaçu, uma estrada de acesso próximo ao rio Una, e as pedreiras de mármore da serra teriam sido utilizadas para fabricação de estátuas e monumentos. Mas para as vistas da intelectualidade carioca, os pontos levantados pelo major tiveram uma aceitação reservada. Constituíam sem qualquer margem de dúvida provas concretas de que o sertão possuía um passado desconhecido, mas que a exploração empírica falhava em atingir. O documento enviado também recordou o caráter utilitário para a formação de novas expedições de busca: a descoberta de riquezas para o império28.
Mas com a morte do desafortunado cônego Benigno em 1849, morreram também as expectativas do império brasileiro em encontrar o seu "espelho" civilizacional na pré-história. Esse eclipse da cidade perdida no período se deve também em parte aos protestos de intelectuais baianos. O presidente e a assembléia provincial nunca foram favoráveis aos intentos de Benigno. Seu fracasso apenas reforçou essas convicções. Mesmo o estudo do major Manoel Oliveira foi severamente contestado. Outro militar, o brigadeiro José da Costa Bittencourt Camara, publicou em 1849 na revista Razão (Canavieiras, BA), uma crítica às conclusões de Oliveira. O brigadeiro acreditava que o documento bandeirante era apócrifo. Algum explorador esperto teria descoberto diamantes no Sincorá ficando muito rico, mas por remorsos teria fabricado o dito roteiro, baseado nas formas geológicas do local. Também algumas importantes agremiações de Salvador opunham-se à existência dessas ruínas, como a Sociedade Instructiva e o Instituto Literário. Um sócio do IHGB, Theophilo Benedicto Ottoni, concordava em opinião com o brigadeiro José Camara. Tendo também explorado o Sincorá, acreditava que o roteiro bandeirante era uma alegoria das minas de diamante da região, elaborado para disfarçar a sua exata localização. Estabelecia ainda que alguns detalhes do relato realmente eram verdadeiros, porém obras da natureza.
Ao final da década de 40, temos também como opositor ninguém menos que o bispo metropolitano da Bahia, o marquês de Santa Cruz. Acusou o desiludido cônego de ter-se afastado de suas ocupações eclesiásticas básicas, perseguindo uma quimera e efetuando uma "empresa verdadeiramente cômica." Mas sabemos que o próprio bispo foi um dos grandes instigadores da busca dessa controvertida localidade. Assim, dos pontos de vista político, econômico e mesmo cultural, a existência das ruínas baianas passou para segundo plano, sendo o ano de 1849 um divisor das pesquisas arqueológicas no império. Marcou o fim de um período de muito entusiasmo, em que o mito foi um grande atrativo para os pesquisadores.
CONCLUSÃO: AS METAMORFOSES DO MITO
As ruínas buscadas por décadas no império brasileiro possuem uma especificidade histórica bem definida, constituindo um conjunto de imagens relacionadas com o advento da arqueologia moderna. Imagens estas determinadas por parâmetros mediterrânicos, a exemplo das cidades romanas como Pompéia e Herculano. Sabemos hoje que essas ruínas brasileiras nunca existiram, e o que os estudiosos perseguiram foi uma miragem, um mito arqueológico. A cidade perdida da Bahia, concebida através do manuscrito 512, esteve impregnada de elementos culturais setecentistas, como detalhes arquitetônicos, pórticos, pirâmides, estátuas, praças, e principalmente, vestígios epigráficos. Sua interpretação pelos acadêmicos oitocentistas deve ser entendida por meio de teorias arqueológicas vinculadas com esse momento, a exemplo do difusionismo e das recentes descobertas de ruínas maias na América Central.
Mas este contexto histórico não explica a credibilidade e longevidade do mito, apenas sua especificidade temporal. O manuscrito bandeirante despertou inicialmente o interesse acadêmico (1839), mas a sua legitimação ? o primeiro passo efetuado para diferenciar a Relação de uma simples fábula, oposta à razão, o confronto entre mythos e logos ? ocorreu somente quando houve contato com o folclore baiano a respeito das cidades encantadas. Em 1840, intelectuais enviaram de Salvador para a capital notícias desses relatos, e a partir de 1841, o explorador Benigno de Carvalho, já em campo, recolheu inúmeras outras descrições orais. Desta maneira, a palavra concedeu uma legitimidade ao mito, muito maior que a escrita: "a verdadeira vida do mito tem sua fonte em uma palavra viva"29. A literatura e a escrita formam o grande valor demonstrativo do logos, contraposto à palavra do mythos. Com a afirmação de moradores da Bahia terem visto ou visitado tais ruínas, criaram-se condições muito mais profundas de sedução para a imagem da cidade perdida: "a narração oral desencadeia no público um processo de comunhão afetiva com as ações dramáticas que formam a matéria da narrativa"30. Desta maneira, um manuscrito velho, rasgado, quem sabe apócrifo, sozinho não explica porque houve tanto empenho por parte da academia, esta financiando expedições custosas e perpetuando o mito arqueológico por toda a década. A cultura erudita acabou fundindo estruturas narrativas próprias com as mantidas pela cultura popular ? cuja origem, por sua vez, provém de bases míticas muito mais antigas, herdeiras diretas de imagens coloniais.
Após esse momento inicial de legitimação, o mito passou a ter um valor de paradigma, constituindo um modelo de referência para se pensar no passado brasileiro. A partir de 1840, a aceitação da antiga existência da geração perdida ? uma civilização muito avançada, mas desaparecida sem deixar quase nenhum vestígio ? nos demonstra a inclusão do mito na História. Uma narrativa fabulosa, irreal, foi interpretada dentro de um discurso "verdadeiro", autenticando uma forma ideal de como deveria ter sido o Brasil dos tempos antigos, sem nenhuma evidência concreta para confirmá-la:
Dentro do que o saber histórico chama de 'mitoso', o ilusório se nutre da memória antiga, e o fictício se apropria das narrativas dos logógrafos, das investigações dos arqueólogos e das litanias dos genealogistas.
A partir desse pressuposto, toda uma escala de valores sociais foi reforçada, a exemplo do caldeamento racial proposto por Von Martius em 1845. O sentido de civilização que se pretendia criar nos trópicos durante o império foi baseado em um modelo situado na aurora dos tempos, uma sociedade sofisticada, mas que decaiu e cujos resquícios deveriam ser resgatados a todo custo. Um monumento que refletiria o Brasil para o mundo, para as grandes nações do Ocidente, completando todas as ansiedades e ausências simbólicas que o segundo império enfrentava no seu início: "Em sua forma autêntiva, o mito trazia respostas sem jamais formular explicitamente os problemas."
A partir desse momento paradigmático, em que a cidade perdida serviu de referencial ético, social e civilizatório para o império, o mito assumiu conotações muito semelhantes a estruturas míticas universais. Sua busca, neste contexto, foi similar à de outros mitos, em locais e épocas diferentes:
(...) no seio de uma cultura os mitos, quando nos parecem se contradizer, correspondem-se tão bem uns aos outros que fazem referência, em suas próprias variáveis, a uma linguagem comum, que estão todos inscritos no mesmo horizonte intelectual e que só podem ser decifrados no quadro geral onde cada versão particular assume seu valor e seu relevo em relação a todas as outras.
De uma perspectiva histórica e única, podemos então observar semelhanças atemporais com as cidades imaginárias do período colonial, e mesmo com modelos clássicos. Tanto a Atlântida, o Eldorado, o lago Eupana e Parimé, como a cidade perdida da Bahia, foram buscados por propósitos diferentes, sejam motivos de ordem econômica, colonialista, científica, cada um dentro do contexto social de sua época. À medida que essas narrativas prolongam sua existência, modelos míticos básicos surgem em sua elaboração. Assim, aparecem constantes atemporais, como as motivações paradisíacas e o retorno da Idade do Ouro: imagens de uma antiga ordem, de um tempo idílico situado no início da humanidade, que revela a inocência total e a felicidade social absoluta. Outra constante foi o deslocamento geográfico ? toda cidade imaginária foi buscada em diversos locais, movendo-se conforme o devassamento do ignoto e o processo de colonização. Sempre baseadas no mecanismo do maravilhoso, essas narrativas acabaram encontrando suas limitações justamente na esfera territorial. Quando o espaço desconhecido tornou-se esgotado em todos os seus aspectos, o mito arqueológico foi eliminado de seus símbolos básicos, sendo contestado racionalmente. Aqui ocorreu um retorno ao confronto entre mythos e logos: o que era entendido antes como realidade, agora é transportado novamente ao terreno da fantasia, do quimérico, do irreal. As ruínas da Bahia, ao final do império, foram eliminadas do campo acadêmico, relegadas a uma condição de miragem provocada por antigos pesquisadores. Porém, toda elaboração simbólica nunca morre definitivamente, sendo transformada em uma nova narrativa, ocasionando sua sobrevivência para o novo século: "os mitos se respondem mutuamente e o aparecimento de uma versão ou de um mito novo se faz sempre em função daqueles que já existiam anteriormente". Assim, se para a ciência oficial a cidade perdida tornou-se uma aberração fantástica, por sua vez, estrangeiros e amadores brasileiros promoveram dezenas de expedições em sua busca, no início do século XX até nossos dias.
O historiador pode unicamente entender o lugar do mito na História, e nunca o seu significado mais profundo, pois ao racionalizar formas emotivo/imaginárias, penetra no campo da experiência, na ordem do existencial. Seja na forma de cidades feitas de ouro, ou de magníficos resquícios arquitetônicos, o mito assumiu várias páginas fascinantes da história brasileira, e que não podendo ser compreendido em sua totalidade, ao menos pudemos vislumbrar sua importância para o imaginário dos tempos imperiais.
O Manuscrito 512
O manuscrito 512, ou documento 512, consiste em um dos arquivos manuscritos da época Brasil colonianista que está guardado no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Tal documento, tem caráter expedicionário, e consiste em um relato de um grupo de bandeirantes, embora o nome de seu autor seja desconhecido.
Este manuscrito é a base da maior fábula arqueológica nacional, e um dos mais famosos documentos da Biblioteca Nacional. O acesso ao relato original é extremamente restrito atualmente, embora uma versão digitalizada dele tenha sido disponibilizada recentemente com a atualização digital da biblioteca nacional.
Descoberta e Valorização
Não obstante a datação do anos de 1753, estima-se que a escritura seja realmente setecentista por determinados aspectos relatados, seu descobrimento e noção de relevância, contudo, ocorreram apenas em 1839. De forma um tanto irônica para com a importância do documento, e ainda de maneira a reforçar todo o mito que envolve o objeto, o documento 512 foi encontrado ao acaso, esquecido no acervo da biblioteca da corte (então a biblioteca nacional).
O manuscrito, muito antigo, e já deteriorado pelo tempo, foi descoberto por Manuel Ferreira Lagos, e posteriormente entregue ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB); foi nas mãos de um dos fundadores do instituto que a escritura teve seu real valor reconhecido e e divulgado: após leitura o cônego Januário da Cunha Barbosa publicou uma cópia integral do manuscrito na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, com a adição de um prefácio no qual esboçava uma teoria de ligação entre o assunto do documento e a saga de Roberto Dias, um homem que fora aprisionado pela coroa portuguesa por se negar a fazer revelações a respeito de minas de metais preciosos na Bahia.
Em um contexto de busca da identidade nacional, e valoração dos atributos brasileiros, o documento ganhou um destaque e um enfoque cada vez maiores ao longo dos anos, tanto por parte de aventureiros, como intelectuais, religiosos, e até do próprio imperador Dom Pedro II. O tão investigado relato que faz o documento, e que foi motivo de sua relevância ao longo da história defendido arduamente por muitos, contestado calorosamente por outros, e obsessivamente buscado por alguns: o documento 512 traz o relato do encontro de alguns bandeirantes com as ruínas de uma cidade perdida, uma civilização arruinada em meio à selva brasileira com indícios de desenvolvimento cognitivo, além de riquezas, e um fim desconhecidos.
O Mito da Cidade Perdida
O documento que hoje traz o subtitulo de Relação histórica de uma occulta e grande povoação antiquissima sem moradores, que se descobriu no anno de 1753, narra o encontro do grupo de bandeirantes com ruínas de uma cidade perdida e desconhecida até então.
O relato da expedição, em sua parte mais conhecida, conta que houve quem avistasse de uma grande montanha brilhante, em consequência da presença de cristais e que atraiu a atenção do grupo, bem como seu pasmo e admiração. Tal montanha frustou o grupo ao tentar escalá-la, e transpô-la foi possível apenas por acaso, pelo fato de um negro que acompanhava a comitiva ter feito caça a um animal e encontrado na perseguição um caminho pavimentado em pedras que passada por dentro da montanha rumo a um destino ignorado.
Após atingir o topo da montanha de cristal os bandeirantes avistaram uma grande cidade, que a princípio confundiram com alguma pole já existente da costa brasileira e devidamente colonizada e civilizada, todavia ao inspecioná-la verificaram uma lista de estranhezas entre ela e o estilo local, além do fato de estar em alguns trechos completamente arruinada, e absoluta e totalmente vazia: seus prédios, muitos deles co mais de um andar jaziam abandonados e sem qualquer vestígio de presença humana, como móveis ou outros artefatos.
A entrada da cidade era possível apenas por meio de somente um caminho, macadamizado, e ornado na entrada com três arcos, o principal e maior ao centro, e dois menores aos lados; o autor do texto expedicionário observa que todos traziam inscrições em uma letra indecifrável no alto, que lhes foi impossível ler dada a altura dos arcos, e menos ainda reconhecer.
O aspecto da cidade narrada no documento 512 mescla caracteres semelhantes aos de civilizações antigas, porém traz ainda outros elementos inidentificados ou sem associação; o cronista observa que todas as casas do local semelhavam à apenas uma, por vezes ligadas entre si em uma construção simétrica e uníssona.
Há descrição de diversos ambientes observados pelos bandeirantes, admirados e confusos com seu achado, todos relatados com associações do narrador, tais como: a praça na qual se erguia uma coluna negra e sobre ela uma estátua que apontava o norte, o pórtico da rua que era encimado por uma figura despida da cintura para cima e trazia na cabeça uma coroa de louros, os edifícios imensos que margeavam a praça e traziam em relevo figuras de alguma espécie de corvos e cruzes.
Segundo a narrativa transcrita no documento, próximo a tal praça haveria ainda um rio que foi seguido pela comitiva e que terminaria em uma cachoeira, que aparentemente teria alguma função semelhante a de um cemitérios, posto que estava rodeada de tumbas com diversas inscrições, foi neste local que os homens encontraram um curioso objeto que segue descrito a seguir.
Entrementes, quando a expedição seguiu adiante e encontrou os rios Paraguaçu e Una, o manuscrito foi confeccionado em forma de carta, com o respectivo relato, e enviado às autoridades no Rio de Janeiro; a identidade dos bandeirantes do grupo aparentemente foi perdida, restando apenas o manuscrito enviado, e a localização da cidade supostamente visitada tornou-se um mistérios que viria atrair atenção de renomadas figuras históricas.
A Moeda de Ouro e O Rapaz Ajoelhado
O único objeto mencionado pela expedição de bandeirantes, que foi encontrado ao acaso, e descrito cuidadosamente na carta consiste em uma grande moeda confeccionada em ouro. Tal objeto, de existência e destino incógnitos, trazia emblemas em sua superfície: cravados na peça havia em uma face o desenho de um rapaz ajoelhado, e no reverso combinados permaneciam as imagens de um arco, uma coroa, e uma flecha.
Trechos Integrais do Manuscrito 512
(...) collumna de pedra preta de grandeza extraordinaria, e sobre ella huma Estatua de homem ordinario, com huma mao na ilharga esquerda, e o braço direito estendido, mostrando com o dedo index ao Polo do Norte; em cada canto da dita Praça está uma Agulha, a imitação das que uzavão os Romanos, mas algumas já maltratados, e partidos como feridas de alguns raios. (...)
ONU quer restringir soberania brasileira sobre Amazônia
14/09/2009 - por Nilder Guedes, no Alerta em Rede. Com a aproximação da Conferência sobre o Clima de Copenhague (COP-15), em dezembro, sem qualquer sinal de compromissos ambiciosos para mitigar o fatídico CO2 por parte dos países desenvolvidos, o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon deixou de lado a diplomacia e resolveu pressionar o presidente Lula para que o Brasil adote metas mesuráveis contra o desmatamento na Amazônia e que atenda a algumas demandas de países “doadores” para ajudar os emergentes a manterem suas florestas. O recado é muito claro: entre os pontos que o Brasil terá de encarar, estão a insistência para que haja uma metodologia comum para medir o desmatamento, a existência de metas claras de redução do desmatamento e o desmatamento que possa ser medido por critérios adotados por todos os países. Em outras palavras, estão dizendo que os índices de ... desmatamento comunicados pelo Brasil não têm credibilidade e, portanto, devem ser monitorados de fora, uma atitude cínica quando se sabe que não existem métodos cientificamente confiáveis para tal.
Acrescentando injúria à ofensa, a ONU quer que o Brasil deixe de usar o argumento da soberania para impedir qualquer “sugestão” sobre o que fazer com a Amazônia. Traduzindo em miúdos, trata-se da velha tese da “soberania restrita” que o Brasil poderia exercer sobre a Amazônia e que foi enunciada sem rodeios por François Mitterrand e outros dirigentes do Establishment anglo-americano há mais de duas décadas.
O Itamaraty, que tem se mostrado ambíguo sobre eventuais metas mensuráveis a serem assumidos pelo Brasil em Copenhague, deveria observar com cuidado a posição dos países africanos. Em reunião realizada hoje em Adis-Abeba (Etiópia) entre representantes dos países africanos e da OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico), Meles Zenawi, primeiro-ministro etíope, afirmou que a África será representada em Copenhague por uma única equipe e que “Nós vamos utilizar o nosso número para minar a legitimidade de qualquer acordo que não cumprir um mínimo de condições. Caso for necessário, nós estamos preparamos para deixar as negociações que serão uma nova violação de nosso continente”.
Essa radicalização dos países africanos acontece no momento em que muitos estudos confirmam que os países pobres serão as primeiras vítimas da mudança climática, mesmo que, como pequenos poluidores, sejam os menos responsáveis. Ocorre que, segundo o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, “se não reduzirmos as emissões de gazes de efeito estufa de maneira significativa, os prejuízos causados à economia dos países pobres serão 10 vezes superiores aos registrados nos países desenvolvidos”. Estas constatações levam os países mais pobres, especialmente africanos, a pedir uma forte contribuição dos países industrializados. A questão do financiamento da adaptação às mudanças climáticas aparece assim em primeiro plano nas negociações climáticas e foi em relação a ela que a Conferência de Poznan, em dezembro passado, fracassou.
Do lado europeu, teme-se que a radicalização da África paralise completamente as discussões de Copenhague, já mal encaminhadas. “Alguns países mais pobres são persuadidos de que os países ricos querem o acordo a qualquer preço”, disse Brice Lalonde, embaixador francês para a negociação climática. “Mas se você disser aos países ricos, ‘vocês só vão ter que pagar e transferir as suas técnicas gratuitamente sem saber como será empregado o dinheiro’, é certo que não haverá acordo”, disse Lalonde em tom nada surpreendente para quem foi fundador da ONG Friends of the Earth (Amigos da Terra) na França e ministro de Meio Ambiente no governo François Mitterrand.
Pelo andar da carruagem, tudo indica que a conferência de Copenhague será o palco para a imposição do esquema REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation), inicialmente delineado pelo príncipe Charles e sua equipe e desenhado sob medida para os países em desenvolvimento.
Como já analisado por este Alerta, a “solução de mercado” preconizada no esquema REDD tem ao menos dois objetivos estratégicos entrelaçados: permitir que os países industrializados continuem a emitir CO2 em grandes quantidades, que seriam de alguma forma “compensadas” pelas florestas tropicais intocadas, e, ao mesmo tempo, obstaculizar o desenvolvimento socioeconômico das vastas regiões onde elas estão localizadas, predominantemente a Amazônia e a África sub-saariana, daí a necessidade de um regime de "soberania restrita" sobre elas.
Acrescentando injúria à ofensa, a ONU quer que o Brasil deixe de usar o argumento da soberania para impedir qualquer “sugestão” sobre o que fazer com a Amazônia. Traduzindo em miúdos, trata-se da velha tese da “soberania restrita” que o Brasil poderia exercer sobre a Amazônia e que foi enunciada sem rodeios por François Mitterrand e outros dirigentes do Establishment anglo-americano há mais de duas décadas.
O Itamaraty, que tem se mostrado ambíguo sobre eventuais metas mensuráveis a serem assumidos pelo Brasil em Copenhague, deveria observar com cuidado a posição dos países africanos. Em reunião realizada hoje em Adis-Abeba (Etiópia) entre representantes dos países africanos e da OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico), Meles Zenawi, primeiro-ministro etíope, afirmou que a África será representada em Copenhague por uma única equipe e que “Nós vamos utilizar o nosso número para minar a legitimidade de qualquer acordo que não cumprir um mínimo de condições. Caso for necessário, nós estamos preparamos para deixar as negociações que serão uma nova violação de nosso continente”.
Essa radicalização dos países africanos acontece no momento em que muitos estudos confirmam que os países pobres serão as primeiras vítimas da mudança climática, mesmo que, como pequenos poluidores, sejam os menos responsáveis. Ocorre que, segundo o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, “se não reduzirmos as emissões de gazes de efeito estufa de maneira significativa, os prejuízos causados à economia dos países pobres serão 10 vezes superiores aos registrados nos países desenvolvidos”. Estas constatações levam os países mais pobres, especialmente africanos, a pedir uma forte contribuição dos países industrializados. A questão do financiamento da adaptação às mudanças climáticas aparece assim em primeiro plano nas negociações climáticas e foi em relação a ela que a Conferência de Poznan, em dezembro passado, fracassou.
Do lado europeu, teme-se que a radicalização da África paralise completamente as discussões de Copenhague, já mal encaminhadas. “Alguns países mais pobres são persuadidos de que os países ricos querem o acordo a qualquer preço”, disse Brice Lalonde, embaixador francês para a negociação climática. “Mas se você disser aos países ricos, ‘vocês só vão ter que pagar e transferir as suas técnicas gratuitamente sem saber como será empregado o dinheiro’, é certo que não haverá acordo”, disse Lalonde em tom nada surpreendente para quem foi fundador da ONG Friends of the Earth (Amigos da Terra) na França e ministro de Meio Ambiente no governo François Mitterrand.
Pelo andar da carruagem, tudo indica que a conferência de Copenhague será o palco para a imposição do esquema REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation), inicialmente delineado pelo príncipe Charles e sua equipe e desenhado sob medida para os países em desenvolvimento.
Como já analisado por este Alerta, a “solução de mercado” preconizada no esquema REDD tem ao menos dois objetivos estratégicos entrelaçados: permitir que os países industrializados continuem a emitir CO2 em grandes quantidades, que seriam de alguma forma “compensadas” pelas florestas tropicais intocadas, e, ao mesmo tempo, obstaculizar o desenvolvimento socioeconômico das vastas regiões onde elas estão localizadas, predominantemente a Amazônia e a África sub-saariana, daí a necessidade de um regime de "soberania restrita" sobre elas.
Laboratório Pfizer será julgada por suicídios após uso de remédio
2010 - Começa no próximo dia 22 de fevereiro o julgamento de mais uma das ações contra os laboratórios Pfizer, em que se discutem os danos causados pela droga Neurontin. A farmacêutica é processada em 1,2 mil ações, sob acusação de que o remédio usado para controlar ataques epiléticos estaria levando pacientes ao suicídio. As informações são do site The American Lawyer. A nova batalha engloba três compradores do remédio, em lotes industriais: ... os convênios hospitalares Aetna, Guardian Life Insurance e Kaiser Foundation Health Health Plan. Os três alegaram na inicial que poderiam ter comprado drogas mais baratas, caso não tivessem “caído no conto da promoção fraudulenta” do Neurontin. Cada um desses laboratórios conseguiu desmembrar a inicial em três partes diferentes.
A juíza da corte federal de Boston, Patti Saris, reverteu a ação contra os planos Aetna e Guardian Life Insurance, alegando litigância de má-fé. Os advogados da Pfizer, do escritório Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom, provaram que apenas o plano de saúde Health Foundation Health Plan teria condições de continuar tocando o processo, já que dispunham de provas materiais que os conectavam às comprar de Neurontin.
Para a juíza Patti Saris, “apenas o litigante Kaiser fez testes de fato para provar a efetividade da ação da droga Neurontin, o que incluiu comunicação direta com a Pfizer”.
Ameaças
remedio2A mesma juíza Patti Saris comandou, em 2009, as investigações da mais polêmica acusação envolvendo o Neurontin. O cientista David Franklin, uma das principais testemunhas da Promotoria contra o uso do Neurontin, diz que sua família foi ameaçada pelo agente da CIA aposentado. A acusação fez com que a juíza de Boston emitisse ordem restritiva, em que proíbe a Pfizer ou seus subcontratados de se aproximarem de testemunhas.
A Pfizer emitiu nota de desculpas, por meio dos escritórios de advocacia Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom e Boies, Schiller & Flexner. Os escritórios sustentam que o cientista acusador inventou os fatos “para atrair a atenção da mídia”. E que o ex-agente da CIA “seguiu os protocolos padrão e não foi hostil ao cientista e à sua família”. A farmacêutica ajuizou recurso em que postula o direito de o ex-agente da CIA poder transitar livremente junto à família do cientista acusador.
Segundo a acusação, a mulher do cientista, Ann Laquerre, teria recebido, em 27 de julho de 2009, ligações de um investigador particular que dizia trabalhar para os escritórios de advocacia que defendem a Pfizer. Ela diz que se sentiu ameaçada quando o agente teria dito que “nada acabaria” ali.
O cientista David Franklin ficou rico e famoso com a ação ajuizada em 1996 contra o laboratório Warner Lambert, comprado pela Pfizer no ano 2000. Nela acusava a empresa de marketing ilegal da droga Neurontin. A Pfizer foi condenada por violação de leis de marketing da saúde pública e pagou por isso a soma de US$ 430 milhões, em 2004. O cientista Franklin levou US$ 24,6 milhões nesse acordo.
Fonte: http://www.conjur.com.br/
A juíza da corte federal de Boston, Patti Saris, reverteu a ação contra os planos Aetna e Guardian Life Insurance, alegando litigância de má-fé. Os advogados da Pfizer, do escritório Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom, provaram que apenas o plano de saúde Health Foundation Health Plan teria condições de continuar tocando o processo, já que dispunham de provas materiais que os conectavam às comprar de Neurontin.
Para a juíza Patti Saris, “apenas o litigante Kaiser fez testes de fato para provar a efetividade da ação da droga Neurontin, o que incluiu comunicação direta com a Pfizer”.
Ameaças
remedio2A mesma juíza Patti Saris comandou, em 2009, as investigações da mais polêmica acusação envolvendo o Neurontin. O cientista David Franklin, uma das principais testemunhas da Promotoria contra o uso do Neurontin, diz que sua família foi ameaçada pelo agente da CIA aposentado. A acusação fez com que a juíza de Boston emitisse ordem restritiva, em que proíbe a Pfizer ou seus subcontratados de se aproximarem de testemunhas.
A Pfizer emitiu nota de desculpas, por meio dos escritórios de advocacia Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom e Boies, Schiller & Flexner. Os escritórios sustentam que o cientista acusador inventou os fatos “para atrair a atenção da mídia”. E que o ex-agente da CIA “seguiu os protocolos padrão e não foi hostil ao cientista e à sua família”. A farmacêutica ajuizou recurso em que postula o direito de o ex-agente da CIA poder transitar livremente junto à família do cientista acusador.
Segundo a acusação, a mulher do cientista, Ann Laquerre, teria recebido, em 27 de julho de 2009, ligações de um investigador particular que dizia trabalhar para os escritórios de advocacia que defendem a Pfizer. Ela diz que se sentiu ameaçada quando o agente teria dito que “nada acabaria” ali.
O cientista David Franklin ficou rico e famoso com a ação ajuizada em 1996 contra o laboratório Warner Lambert, comprado pela Pfizer no ano 2000. Nela acusava a empresa de marketing ilegal da droga Neurontin. A Pfizer foi condenada por violação de leis de marketing da saúde pública e pagou por isso a soma de US$ 430 milhões, em 2004. O cientista Franklin levou US$ 24,6 milhões nesse acordo.
Fonte: http://www.conjur.com.br/
AEROMÓVEL - O que é e a quem Interessa que esse incrível projeto fique "esquecido" !!!
O que é e qual a sua importância - O Aeromovel é um sistema de transporte automatizado, que opera em via elevada. O Sistema caracteriza-se por operar veículos menores, porém com alta freqüência (reduzido headway). O Aeromovel possui baixo custo de implantação e operação, ocupando um reduzido espaço no centro urbano, oferecendo capacidades entre 1.000 e 20.000 passageiros por hora por sentido. Patenteada internacionalmente, a tecnologia Aeromovel emprega o princípio exclusivo da propulsão pneumática, viabilizada por um fluxo de ar de baixa pressão e alta vazão, o que torna as perdas suficientemente baixas, e o Sistema energeticamente competitivo. As vantagens de custo e desempenho do Sistema decorrem do reduzido peso morto do veículo, proporcionado pela propulsão pneumática. Por operar um veículo leve, a energia necessária na operação é otimizada, sendo que a carga útil transportada em relação ao peso morto é muito superior ao observado em sistemas convencionais.
O Aeromovel possui grande flexibilidade de projeto, podendo ser dimensionado conforme as necessidades específicas de cada aplicação. O Sistema pode atender às necessidades dos mais variados tipos de aplicação, tais como em linhas integradas à rede pública de transporte, em aeroportos, na interligação entre complexos hoteleiros, centros de convenções, centros esportivos, parques de estacionamento e outros. O veículo, a via elevada e o sistema de propulsão são adaptáveis às necessidades de cada caso, sendo os custos de implantação proporcionais à capacidade de transporte e complexidade de cada projeto.
As características intrínsecas do Aeromovel conferem ao Sistema expressiva simplicidade e robustez, traduzindo-se em um alto grau de desempenho e economicidade, com uma excelente qualidade de serviço.
O desempenho do Sistema, as vantagens da via elevada e o baixo custo de implantação e operação tornam o Aeromovel uma solução bastante atrativa, economicamente viável, permitindo o retorno dos investimentos a curto
prazo.
O Aeromóvel é um meio de transporte urbano automatizado em via elevada de concepção inteiramente brasileira e que utiliza um singular sistema[1] de propulsão pneumática, inventado por Oskar H.W. Coester.
O nome Aeromovel deriva de Aerodynamic Movemente Elevated.
O projeto foi implementado com sucesso em 1989, na cidade de Jakarta, capital da Indonésia. Constitui-se de uma linha circular construída no interior de um parque ecológico, que abriga centros de convenções, teatros, hotéis etc. Em Porto Alegre, desde 1983, opera uma linha-piloto de testes, onde são certificados os componentes da tecnologia
O conceito para o Aeromóvel é advindo da necessidade de se buscar novos paradigmas para o transporte público, em que um novo sistema que pudesse agregar uma série de características orientadas à funcionalidade e praticidade, pudesse ser implementado no Brasil e também no exterior, fomentando a indústria e engenharia nacionais.
Concebido, projetado e desenvolvido no Brasil por Oskar Coester - presidente do Grupo Coester S/A, tradicional desenvolvedor de tecnologia marítima à época - o Aeromóvel teve uma longa trajetória de desenvolvimento, passando adequadamente por todas as etapas seqüenciais de um projeto de engenharia desse porte. Desde sua concepção, passando por pequenos modelos até a sua maturação em um sistema em escala, teve o envolvimento de inúmeras entidades de pesquisa brasileiras, dentre elas a própria Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que exerceria papel notadamente expressivo, através de apoio dado pela FINEP. Foram realizados estudos desde 1980 até 1987, que corroboraram a viabilidade técnica do projeto, identificando os nichos de mercado nos quais o mesmo se inseriria mais eficientemente.
Patenteado em inúmeros países, o Aeromóvel foi instalado em Porto Alegre - o “projeto-piloto” - em 1983; e também em Jakarata, Indonésia, em 1989; sendo esta atualmente a única linha comercial deste sistema em operação em todo o mundo. A linha de Porto Alegre compreende duas estações espaçadas entre si em ~750m, em um percurso total de 1,1 quilômetro. Em Jakarta têm-se uma linha de 3,5 km que atravessa um parque ecológico (Taman Mini).
aero2
Princípio de Funcionamento - A propulsão utiliza ventiladores industriais estacionários, normalmente localizados junto às estações de passageiros. Estes ventiladores são conectados ao duto de ar formado pela via, fornecendo o necessário fluxo de ar pressurizado, o qual é dosado conforme a velocidade e aceleração requeridas. A pressão de ar atua sobre placas de propulsão fixas ao veículo que se deslocam dentro do duto da via, resultando no empuxo de propulsão. O Aeromovel funciona tanto com pressão como com sucção de ar, ou seja, empurrando ou puxando o veículo, ou ambos. Com a propulsão pneumática, as rodas do veículo não são usadas para tracionamento; com isso, o veículo pode vencer aclives acentuados de até 10%.
O Veiculo
O veículo caracteriza-se pelo reduzido peso próprio, sobretudo por não ter a bordo os equipamentos associados à propulsão.
O veículo apresenta-se em versões de um, dois e três carros, tendo cada carro 12 metros de comprimento e capacidade para 136 passageiros, sendo 24 sentados e 112 em pé (6 pass./m²).
Cada carro do veículo possui duas portas de 1,80m de largura em cada lado, permitindo um embarque seguro, confortável e rápido.
Os veículos possuem truques de quatro rodas de aço, resilientes, e um sistema antidescarrilhamento, que
vincula o veículo à estrutura da via elevada por meio de contra-rodas no interior do duto de ar.
O Aeromovel possui um sistema duplo de frenagem, sendo o freio principal baseado no sistema de propulsão, complementado por freios a disco em todas as rodas.
Para o passageiro, o veículo Aeromovel oferece os subsistemas típicos de um sistema moderno, tais como iluminação, ventilação, portas automáticas, mensagens pré-programadas, sistema de orientação de passageiros e ar condicionado (opcional).
O sistema de emergência, a bordo, inclui saídas para a via em ambas as extremidades do veículo e baterias alimentam a comunicação de voz com o controle central, a iluminação, a ventilação e os subsistemas vitais de controle. Em condições normais de operação, o veículo é alimentado através dos trilhos da via, em baixa tensão.
A Via Elevada
A via elevada compõe-se de vigas e pilares pré-fabricados, permitindo uma montagem rápida e
descomplicada com guindastes sobre pneus.
A via do Aeromovel agrega as funções de suporte dos trilhos, duto de ar para propulsão do veículo e acesso seguro dos passageiros até a próxima estação em caso de emergência.
O raio mínimo de curva de 25 metros e vãos de vigas da via elevada variáveis de 10 a 30 metros permitem a fácil inserção do Aeromovel nos traçados urbanos, sem a necessidade de desapropriações.
A altura da via, normalmente de 4,50 a 5,50 metros, pode ser elevada o suficiente para passar sobre viadutos e ferrovias existentes.
Os desvios e aparelhos de mudança de via são compactos, utilizando vigas de apenas 10 metros de extensão, e raio de 30 metros na curva do desvio.
O Sistema de Controle
Toda a operação do Aeromovel é feita remotamente, de um Controle Central localizado em uma das estações ou
próximo à linha.
O sistema de controle de última geração do Aeromovel é baseado na tecnologia de controladores programáveis (PLC) modulares de alta confiabilidade, permitindo ajustar os mais diversos parâmetros operacionais, tais como velocidade, aceleração, frota de veículos, headway e parada nas estações.
O controle do Aeromovel compreende um Sistema ATC, com ATP (Automatic Train Protection) e ATO (Automatic Train Operation), e um Sistema ATS (Automatic Train Supervision) para interface com o Operador.
A Propulsão
O sistema de propulsão utiliza ventiladores estacionários, com versões operando com energia elétrica ou gás natural.
Complementarmente, válvulas para controle do fluxo de ar são instaladas na via elevada, criando circuitos pneumáticos exclusivos para controle de cada veículo isoladamente, o que proporciona uma separação segura e intrínseca entre veículos.
Válvulas de isolamento detrecho realizam a separaçãoentre circuitos de propulsão.Quando abertas, estasválvulas permitem apassagem segura do veículopara o próximo trecho desocupado.
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Desempenho, aspecto ambientais e de conforto. - Desempenho adaptável às necessidades de cada horário, através da seleção e perfis de velocidade e headway pré-definidos. Parâmetros operacionais ajustáveis conforme a necessidade, com aceleração do veículo até 1,1m/s² , desaceleração de 1,0m/s² e velocidade até 80km/h.
Headway típico de 1 a 2 minutos.
Baixo custo de implantação e operação
Mínima poluição do ar, com gás natural; nenhuma, com energia elétrica.
Baixo nível de ruído.As rodas, as fixações dos trilhos e a suspensão do veículo são dotadas de eficientes isoladores de ruído e vibração. O veículo é passivo, sem motores de tracionamento a bordo.
Via elevada de pequenas dimensões, com reduzido impacto visual.
Nenhum impacto eletromagnético.
Contribui com a melhoria da qualidade do meio ambiente e do espaço urbano.
Requer um reduzido espaço no nível do solo. O pilar ocupa menos de 1,0m²
Fácil inserção e integração da via na malha urbana.
A via elevada cria um novo espaço, liberando a área nonível do solo para outras funções e atividades.
Vista privilegiada para os passageiros durante a viagem.
Aceleração e desaceleração gradativas, sem desconforto para o passageiro em pé, decorrente da elasticidade do ar na propulsão pneumática.
O Aeromóvel é tecnologia nacional.
Sob o ponto de vista dos impactos ambientais, o Aeromóvel provou ser extremamente silencioso, uma vez que as fontes de vibração (motores elétricos) encontram-se afastadas dos veículos, em módulos facilmente isoláveis com métodos tradicionais. A disrupção visual à paisagem circundante é reduzida e suas linhas modernas conferem ao sistema atrativos turísticos. Quanto à propulsão, uma vez utilizando-se motores elétricos industriais, corrente alternada de baixa tensão e potência, para o acionamento mecânico dos sopradores, a emissão de poluentes gasosos é nula.
A característica adaptativa e a grande versatilidade de projeto do Aeromóvel conferem-lhe o vantajoso trunfo de poder estabelecer conexões entre diferentes sistemas modais, preenchendo históricas lacunas ainda existentes nas deficitárias redes de transportes dos massivos centros urbanos, com o benefício da ausência de qualquer ônus ao ambiente no que concerne ao aumento de emissões. A sua facilidade de construção e grande liberdade de traçado para suas vias permitem o cruzamento de forma quase incólume por regiões que não permitiriam o tráfego de sistemas mais intrusivos (como em áreas verdes).
Desse modo, o Aeromóvel pode ser aplicado para reduzir os tempos médios de viagem atualmente observados, tirando proveito de sua racional ocupação vertical do espaço urbano, que dispensa em grande parte as onerosas ampliações nas pistas de rolagem e demais intervenções, sendo, portanto, uma alternativa de baixo custo e ambientalmente orientada; que torna mais célere a capacidade de mobilidade, e em conseqüência também disso, contribui a aumentar a qualidade de vida nas grandes cidades.
Sinopse da Cronologia do Aeromóvel
Data Fato
1959 Rubem Berta, presidente da VARIG, conversa com Coester em Seattle (EUA), surge então a motivação para a concepção de um novo sistema de transporte.
1977 Primeiro protótipo: um rudimentar veículo para um tripulante percorria um trecho de 30 metros.
1980 Na Feira de Hannover, Alemanha; um protótipo maior (16 passageiros sentados) foi sucesso absoluto no evento, transportando 18.000 pessoas em 9 dias.
1983 É inaugurada linha-piloto em Porto Alegre.
1987 A linha-piloto é equipada com controle automatizado de operação e são adicionadas ao trecho uma seção curva, um desvio, uma rampa e outra estação.
1989 É inaugurada na Indonésia a primeira linha comercial do Aeromóvel.
Um mineiro inventou o avião; um gaúcho, o aeromóvel Enviado por Paulo Sérgio Loredo, São Paulo-Capital Por Ronaldo Schlichting, administrador de empresas 25 junho, 2004
Em discurso proferido em 2003, em Santa Catarina, o presidente da República declarou para um grupo de operários que o Brasil é um pais pobre. Só não disse do quê.
Pois, eu vou me permitir completar o pensamento do atual primeiro mandatário da nação. Sim, o Brasil é um país muito pobre, mas de estadistas, de políticos sérios e de instituições confiáveis que estejam única e exclusivamente a seu serviço. Por isso, pobre em poder. Esta é a única riqueza que nos falta, o poder nacional que traz a plena soberania. Se tivéssemos o poder em nossas mãos já teríamos tudo. Teríamos um verdadeiro projeto de nação.
Pela falta dele, já no século 19, o gaúcho Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, fracassou na sua tentativa de promover para o Brasil, já naquela época, um "espetáculo de desenvolvimento". Culpa dele? É o típico caso da boa semente que caiu em solo estéril da politicagem brasileira, historicamente subordinada aos interesses internacionais.
No final do século 19, dentre centenas de casos, temos mais um, onde outra boa semente da genuína tecnologia brasileira, a do aeromóvel, também foi semeada nessa terra infectada pela praga do cosmopolitismo imperialista, que não permite que algo nela plantada vingue em benefício do povo brasileiro. Chegou a germinar, mas, pelo terrível efeito da peste, não cresceu e, portanto, também não frutificou. A partir do ano de 1983 eu tive a oportunidade de observar, em Brasília e Porto Alegre como esta epidemia se propaga, conhecer seus agentes e suas estratégias para propagação da doença.
No começo da década de 60, Oskar Coester, um técnico aeronáutico, recebeu um desafio de Rubens Berta, presidente da Varig: "Que tipo de sistema de transporte urbano poderia transportar os passageiros das empresas aéreas dos centros das grandes cidades até seus aeroportos em menos tempo do que os novos jatos -recém introduzidos na aviação civil- levavam para voar de uma cidade a pelo menos 400 Km uma da outra?" Motivo: já se gastava mais tempo para se deslocar, por exemplo, do Centro do Rio de Janeiro ao aeroporto do Galeão do que voando de Congonhas a este mesmo aeroporto.
Oskar Coester estabeleceu as seguintes condições como premissas básicas para poder resolver plenamente o problema proposto: o sistema teria que ser elevado ou subterrâneo e em via exclusiva, para não conflitar com o tráfego de superfície; custo de implantação e operação extremamente baixo; seguro, confortável, confiável e rápido; "ecologicamente correto"; deveria impactar e perturbar o meio ambiente muito menos do que qualquer sistema existente.
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Na época não existia nenhum sistema com essas características. - Tempos depois, ao observar um vagonete que rodava sobre trilhos, movido a vento como um barco, pela adaptação de um mastro e uma vela, com a função de transportar pessoas de uma ponta a outra no trapiche do porto de Rio Grande (RS), Coester teve ali sua grande inspiração. Como aquele veículo não tinha tração nas rodas, teoricamente, poderia ter seu peso morto reduzido a zero, deixando o resto para transportar toda a carga útil possível, o que traria uma tremenda economia de energia para realizar o trabalho. Não tendo peso morto e tração nas rodas, poderia ser elevado com facilidade e por um custo de implantação muito baixo — hoje quase dez vezes inferior do que para se instalar um metrô subterrâneo com a mesma capacidade de transporte.
Mas de onde viria o vento de forma constante e controlada para a sua propulsão? Para isso, bastaria inverter a posição da vela e colocá-la dentro de um duto onde se sopraria o vento produzido por um ventilador industrial comum acionado por um motor elétrico trifásico de corrente alternada de baixa voltagem.
E mais: a parte superior do duto de concreto, elevado sobre estreitos pilares, também serviria para se assentar os trilhos onde se faria a rolagem do veículo em via totalmente exclusiva. Por que elevado? Para se ter um custo de implantação muito menor do que um sistema enterrado e evitar conflito com o trânsito de superfície, o que conferiria total mobilidade, velocidade e segurança.
Pronto, estava inventado o aeromóvel, o sistema elevado para o transporte urbano de passageiros.
Como aparece, como some
Os primeiros ensaios foram realizados na residência do inventor, com o aspirador de pó da esposa e um carrinho de brinquedo de um dos quatro filhos. A seguir, num segundo modelo, Coester acoplou rodas de lambreta a uma cadeira. Ambos os experimentos funcionaram excepcionalmente bem, acima de qualquer expectativa. Em maio de 1977, testou um vagonete sobre trilhos carregado com sacos de areia. Nesta altura, sua fama já corria o país. Em 1979, Jorge Franciscone, diretor da extinta EBTU (Empresa Brasileira de Transporte Urbano), resolveu apostar na idéia. Garantiu US$ 4 milhões para a construção da via experimental em Porto Alegre, no Gasômetro, que passou a funcionar em caráter experimental em 1983, a qual tive a oportunidade de testar várias vezes.
Porém, o projeto não foi concluído em função da troca no Ministério dos Transportes, onde Cloraldino Severo substituiu o então ministro Eliseu Rezende (atualmente deputado federal por Minas Gerais) e arquivou o projeto.
Também fui testemunha da atitude cosmopolita imperialista e antipatriótica de Cloraldino Severo para com o projeto de Oskar Coester. Neste mesmo ano, ao visitar a EBTU em Brasília, procurando mais informações sobre o sistema, fui informado por um de seus diretores que o ministro Cloraldino, ao assumir a pasta, tinha proibido todos os funcionários de falarem sobre o assunto, inclusive mandando destruir todo o material informativo sobre o aeromóvel existente no Ministério e na EBTU.
Em 1984, a convite do então deputado estadual Carrion Jr., cheguei a Porto Alegre para assistir na Assembléia Legislativa a uma audiência onde Cloraldino Severo foi convidado a dar explicações à sociedade gaúcha sobre os motivos que o levaram a boicotar o projeto. Resumo assim as justificativas do ministro dos Transportes de João Figueiredo para tão impatrióticos e arbitrais atos: ele disse ter suspenso o financiamento ao projeto por não acreditar que um "alemãozinho", em uma oficina de fundo de quintal, pudesse desenvolver um sistema de transporte coletivo de passageiros que viesse a competir com os sistemas já em uso, produzidos pelas grandes empresas multinacionais.
Nesta oportunidade, Oskar Coester não trabalhava mais para a Varig, sendo diretor presidente de sua própria empresa, a Coester S/A, especializada na produção de sistemas de navegação automática e controle de leme para a marinha nacional e estrangeira.
Foi aí que eu pude perceber pela primeira vez como, por ordem e influência de um poder supranacional, o Estado brasileiro estava começando a ser demolido com a colaboração e o trabalho da alta cúpula da burocracia estatal e dos políticos cooptados e submetidos à vontade e às determinações desta nova "ordem".
Coincidência ou não, foi durante o ano de 1982 que se estabeleceu o famigerado "Consenso de Washington", sendo no Brasil o aeromóvel uma de suas primeiras vítimas, juntamente com o Programa Espacial, o submarino nuclear brasileiro, a Embrapa e outras.
Em 1985, Renato Archer, ministro da Ciência e Tecnologia da Nova República, autorizou um empréstimo de US$ 2,5 milhões, concedido pela Finep*, para a conclusão do trecho experimental. No entanto, em meio ao clima de euforia do Plano Cruzado, quando se acreditava que a inflação estava debelada para sempre, o contrato de empréstimo (em cruzados) desprezou a inclusão da cláusula de reajuste. Como se sabe, o plano econômico falhou. Quando o dinheiro chegou, tinha virado pó e nada pôde ser feito...
Mais e mais vantagens
Baseado na engenharia de aviação, o veículo do sistema aeromóvel tem quatro vezes menos "peso morto" em relação à carga útil transportada, comparado com qualquer vagão ferroviário.
O trem em funcionamento na linha piloto de Porto Alegre permitia a velocidade de até 80 km por hora e o transporte de 136 passageiros por veículo articulado em linha simples, características essas determinadas à época pela EBTU — nada impedindo que ele pudesse viajar muito mais rápido e com veículos de muito maior capacidade de transporte que este primeiro protótipo.
O sistema também dispensa a necessidade de condutor e as manobras são feitas nas estações por controle remoto computadorizado. Tem freio a disco nas rodas só para estacionamento, pois o principal meio de parar o comboio é inverter o seu sistema de propulsão, que altera a direção do fluxo de ar em movimento no "ventoduto" sob os trilhos.
Outra excepcional característica do aeromóvel: ele é praticamente à prova de descarrilamento e de colisão, já que o pistão plano (vela invertida) — introduzido dentro do "ventoduto" é ligado à parte inferior do vagão por meio de uma estreita
haste que corre ao longo de uma fina fenda existente na parte superior do próprio "ventoduto", entre os trilhos — não permite que ele descarrile. Se, por acaso, um veículo se aproximar indevidamente do outro, forma-se um colchão de ar comprimido dentro do "aeroduto" entre as duas velas de cada um deles, não permitindo que o indesejável evento venha ocorrer.
O aeromóvel também foi implantado em 1989 numa linha de 3,5 km num parque de Jacarta (Indonésia), onde há centros de convenção, prédios culturais e uma universidade. Até hoje é a única linha em operação comercial no mundo onde já transportou, sem falhas, mais de 14 milhões de passageiros.
Se, neste momento, houvesse governo brasileiro representando um mínimo de poder e vontade política do povo seria possível revolucionar o transporte coletivo no país, estimular a indústria genuinamente brasileira e gerar milhares de empregos com salários compatíveis às necessidades da população, através da ação combinada e coordenada de alguns de seus ministérios.
Por princípio, o que teriam alguns a fazer?
Ministério da Indústria e Comércio: o aeromóvel foi concebido para ser construído e implantado sem a necessidade da importação de um único parafuso, portanto, beneficiando 100% a indústria nacional — tanto a da construção civil, a metalúrgica, a eletroeletrônica, a de autopeças e a mecânica, além da exportação, como já ficou demonstrado.
Ministério do Trabalho: como 65 % do custo de implantação do sistema se refere às obras civis, isto significa a geração de um grande numero de empregos só nesta área.
Ministério das Cidades: para a implantação do sistema aeromóvel não é necessário realizar desapropriações, portanto, pode ser levado facilmente a qualquer ponto das cidades utilizando-se das áreas públicas já existentes. Essa é uma das grandes ferramentas para a regeneração urbana.
Ministério das Minas e Energia: como o sistema funciona acionado por energia elétrica alternada e de baixa tensão, não é necessário, como no caso dos trens e metrôs, a construção das caríssimas estações de rebaixamento de voltagem e retificação de corrente, porque a simples utilização de motores trifásicos, de até 200 CV, são suficientes nas estações de bombeamento de ar, mesmo para os trechos de maior velocidade ou aclive. Estando as estações de bombeamento de ar equipadas com geradores de emergência, o sistema não pára em casos de apagão.
Ministério do meio Ambiente: o aeromóvel, literalmente, pode ser movido a vento em regiões propícias à utilização da energia elétrica fornecida por geradores eólicos — que, aliás, já são produzidos no Brasil e exportados até para a Alemanha por uma empresa instalada em Sorocaba. Também pequenas hidroelétricas, biogás, gás natural, o metano produzido por aterros sanitários, etc., podem ser utilizados direta ou indiretamente para a sua propulsão.
Ministério da Ação Social: o preço do transporte por passageiro através do aeromóvel fica até três vezes menor do que o pago em qualquer linha de ônibus que cumpre o mesmo percurso.
No Brasil, transporte coletivo é questão de Estado.
A quem não interessa?
No exterior: ao Fundo Monetário Internacional (FMI), ao Banco Mundial, ao BIRD e ao sistema financeiro, às poderosas corporações mundiais da área do transporte, à indústria (estrangeira) do petróleo, etc. etc.
No Brasil: às concessionárias do transporte coletivo urbano e às prefeituras com interesse na continuidade desse relacionamento; à indústria automobilística, fabricante de chassis para ônibus; às distribuidoras estrangeiras de petróleo; aos fabricantes de pneus etc.; e ao Diálogo Interamericano, através de seus agentes locais, simpatizantes e "inocentes" úteis.
(*) Finep – Financiadora de Estudos e Projetos, pertencente ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Criada para "promover e financiar a inovação, a pesquisa científica e tecnológica em empresas, universidades, centros de pesquisa, governo e entidades do terceiro setor, mobilizando recursos financeiros e integrando instrumentos para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA MECÂNICA MUSEU DO MOTOR
O Museu do Motor foi idealizado pelos alunos do curso de graduação em Engenharia Mecânica no ano de 1991 e inaugurado oficialmente em 1º de setembro de 1994. O objetivo inicial era o de preservar e restaurar motores e componentes automotivos pertencentes à centenária Escola de Engenharia de Porto Alegre, formando um acervo histórico acessível à comunidade acadêmica e ao público em geral. Assim, esse classifica-se em termos museológicos na categoria de museu de ciência e tecnologia. Destaca-se no acervo, um motor Otto de 1894, de fabricação americana, o mais antigo exemplar do tipo ainda em funcionamento no continente latino-americano.
Com o passar dos anos, o Museu do Motor organizou eventos culturais, tais como: exposições, cursos e palestras; em muitos casos, contando com ampla divulgação da mídia. Sempre lembrado entre os colegas de curso como um ponto de encontro e descontração, também é tido como um fomentador de atividades acadêmicas. A filosofia que norteia o Museu é a de divulgar a ciência e engenharia para alunos do ensino fundamental e médio e de fomentar novas idéias e estimular o estudo de novos projetos com os alunos do curso de graduação, mostrando a imperiosa necessidade de se aplicarem as teorias vistas em sala de aula e adaptá-las à realidade e necessidades da nossa sociedade. Os alunos do Museu ajudam a preservar a história e memórias de toda uma época, mas também olham para o futuro e engajam-se em projetos inovadores que surgem trazendo benefícios ao nosso país.
Ao completar uma década de atividades do Museu, propôs-se uma palestra específica (seguida de uma visita de campo) que traria novamente à memória dos futuros engenheiros uma invenção legitimamente nacional e muito interessante, lucrativa, limpa, inovadora e, infelizmente; esquecida: O Aeromóvel.
Por desejo de um número expressivo de alunos que tinham curiosidade e interesse pelo assunto, o Sr. Oskar Coester foi convidado a palestrar sobre sua notável criação. No dia 1º de setembro, sob olhares atentos, falou para quase 80 estudantes em uma sala de aula lotada do Departamento de Engenharia Mecânica sobre a motivação que o levou a desenvolver o projeto de sua vida, bem como assuntos técnicos referentes ao mesmo. Na manhã seguinte e não importando a chuva, todos estavam reunidos na Av. Loureiro da Silva (perimetral) para conferir de perto o projeto-piloto instalado em Porto Alegre e que lá repousa desde 1983. Os futuros engenheiros olhavam atentamente cada detalhe e inundavam de perguntas o Sr. Coester, que a todas respondia com presteza. O sentimento final à visita foi um misto de frustração e revolta, afinal, o quê exatamente impede tão interessante projeto de seguir em frente?
A idéia do Aeromóvel nasceu da necessidade de um transporte público que aliasse segurança, velocidade e praticidade, ademais; também fosse ecologicamente correto. Sendo no ano de 1984 sucesso absoluto na Feira de Hannover (Alemanha), transportando mais de 18.000 passageiros do mundo inteiro, que faziam fila para experimentar aquela inovação. Fernando Sabino relata sobre a sua experiência com o Aeromóvel àquela época: “As portas se fecharam suavemente e nos vimos deslizando ao longo dos trilhos, no silêncio mais absoluto. Só dava para saber que estávamos num trem e não numa nave espacial, porquê não havíamos levantado vôo. Ele se deteve ao fim da linha, também com toda a suavidade, e veio voltando até a estação. O trajeto era curto, mas dava para sentir com emoção que aquele era, por antecipação, o meio de transporte do século 21”.
O Aeromóvel é definitivamente não-convencional: baseado em conceitos da aviação (apesar de ter similaridade na forma com dispositivos ferroviários) é projetado para viajar em vias elevadas, sustentadas por colunas de mais de 5m de altura, podendo cortar o trânsito das grandes cidades sem afetar a infra-estrutura circundante, pois há necessidade de pouca ou nenhuma desapropriação, ao contrário do que ocorre nos metrôs em suas subways. Suas colunas e vigas são pré-moldadas, bastando apenas o encaixe final (assembly) no local definitivo; possuindo pouco impacto visual à paisagem circundante.
A maior inovação deste sistema, indubitavelmente, advém da sua propulsão baseada na passividade do veículo (shuttle), que reduz drasticamente o dito “peso-morto” (relação massa do veículo pela massa total de passageiros embarcados --- um princípio consagrado da aviação), sendo os shuttles fabricados em alumínio (ou fibras-de-carbono, alternativamente) a custos reduzidos. O conceito por trás da força motriz do sistema remete-nos a um romantismo nostálgico de priscas eras: O conceito do barco à vela. Aplicado à modernidade, o Aeromóvel consiste em um barco com sua vela invertida, fixada abaixo do veículo e propelida pelo ar insuflado à baixa pressão e alta vazão em um duto retangular, através de ventiladores industriais convencionais (motor elétrico trifásico de baixa tensão e de corrente alternada --- dispensando, portanto, os inconvenientes retificadores e transformadores para os trens elétricos). O resultado: uma viagem surpreendentemente silenciosa, sem as incômodas vibrações oriundas dos rodeiros robustos dos sistemas tradicionais tracionados nas rodas, como os dos trens elétricos. O sistema Aeromóvel é todo automatizado por computadores, dispensando operadores à bordo do veículo, facilitando sua manutenção e diminuindo os custos.
Uma diferença interessante da tecnologia Aeromóvel para suas congêneres é a de que o veículo é capaz de vencer aclives e fazer curvas de raios de até 25m (algo deveras impossível para similares ferroviários), uma vez que o rodeiro do veículo não é o elemento que faz a tração, podendo uma roda girar independente da outra; o quê em se tratando de grandes cidades, com construção muitas vezes não-uniforme, é uma vantagem decisiva. Os sistemas ferroviários tradicionais têm que obrigatoriamente seguir um trajeto essencialmente linear, o que limita as suas possibilidades de uso; quando vistos de forma isolada (o quê ratifica a necessidade de integração dos diferentes meios de transportes urbanos, onde o Aeromóvel poderia exercer contribuição importante neste novo possível contexto, aliando-se a isso sua singular vinculação regional e apelo turístico como cartão-postal e referência internacional).
A segurança do Aeromóvel se dá com base em seu próprio princípio de funcionamento, que torna colisões entre diferentes veículos virtualmente impossíveis, uma vez que o “colchão” de ar existente entre eles impede que se aproximem excessivamente, evitando riscos de choque. Descarrilamentos são evitados pela aleta (“vela”), que fixa o veículo à tubulação. O sistema de frenagem também é certificado, pois consiste na reversão do sentido do fluxo, que desacelera veículo. No caso remoto de pane, o veículo pode ser evacuado por meio de grandes aberturas que ficam à frente e atrás (que podem ser usadas, em condições normais, como janelas para vista panorâmica) e os passageiros podem caminhar por sobre a pista até a próxima estação (a pista é larga permitindo tal procedimento, além do fato de que sendo desta forma, permite maior estabilidade do veículo, que se desloca muito próximo aos trilhos).
Quanto às questões técnicas, têm-se alegado por parte de algumas pessoas que o sistema seria pouco eficiente (devido às perdas de carga ao longo do duto, ou ao fato de se estar convertendo energia elétrica em eólica), mas o quê ocorre em verdade é que há perdas nítidas, mas sobre uma quantidade pequena de energia aplicada; em relação aos sistemas convencionais, como trens elétricos. A quantidade de energia demandada para operar o sistema é muito menor que em outros sistemas congêneres. Estes sistemas são mais eficientes do ponto de vista energético, mas demandam uma quantidade criticamente maior de energia. Assim, se deve fazer um balanço com todas estas variáveis, caso contrário cai-se nesta falácia vulgar, muitas vezes usada para tentar justificar o abandono dessa tecnologia por parte das autoridades, ocultando possíveis interesses políticos e ideológicos por parte das mesmas.
Este sistema já está em operação comercial em Jakarta (Indonésia) desde 1989. O Aeromóvel percorre um trecho de 4km, tendo transportado ao longo de todos estes anos, mais de 14 milhões de pessoas, sem registrar nenhum acidente. Em Porto Alegre, há desde 1983 um trecho inacabado de 1.1km, o “projeto-piloto”. Nessa instalação foram feitas mais de 300.000 viagens sem nenhuma falha registrada, sendo utilizado um motor elétrico com potência de 80 kW (potência equivalente a um motor de combustão interna de um antigo carro Opala --- que transporta apenas 05 passageiros, em carga máxima) para insuflar ar e propelir o veículo.
A intenção deste Manifesto Público Pró-Aeromóvel é a de dar uma modesta contribuição com intuito de sensibilizar a mídia para divulgação desta tecnologia (com reportagens, debates e documentários), incentivar empresas privadas e seus investidores à promoção desse sistema e incitar a sociedade brasileira e gaúcha a reivindicar soluções e realizar a real necessidade de se revisitar esse conceito como alternativa ecologicamente viável para o século XXI, mostrando-nos o real valor do potencial do nosso país e de suas realizações intelectuais, científicas e tecnológicas.
Este documento, de livre iniciativa dos integrantes do Museu do Motor – UFRGS, será encaminhado para órgãos da imprensa (escrita e áudio-visual), partidos políticos, governantes, universidades e empresas da iniciativa privada.
Porto Alegre, RS, 08 de setembro de 2004.
Aeromóvel: o futuro criando poeira - 8/11/2001 Paulo César Teixeira
Um charuto de alumínio que desliza sobre um colchão de ar. É o aeromóvel suspenso a cinco metros de altura numa via sustentada por pilares de concreto, que une duas estações desertas de passageiros, no centro de Porto Alegre. A linha tem 90 centímetros de largura e 750 metros de comprimento. Está lá há 18 anos e custou US$ 6,5 milhões. Por enquanto, é apenas um elefante branco. Na paisagem à beira do Guaíba, o trem futurista contrasta com a velha Usina da Volta do Gasômetro. É o diálogo entre um futuro que não veio – e talvez não chegue jamais – e um passado que achou lugar no presente. Tombado, o prédio da usina (inaugurada em 1874) se transformou num dos principais centros culturais da cidade.
Do outro lado da rua, o aeromóvel não saiu do lugar, exceto para testes e para duas ou três voltas com autoridades a bordo, dispostas a tornar realidade o sonho do inventor Oskar Coester, de 63 anos, nascido em Pelotas (RS). A fama do aeromóvel oscila entre ovo de Colombo e simples maluquice. “O mundo só se move por causa dos sonhadores, mesmo que as idéias inovadoras colidam com costumes arraigados ou interesses econômicos”, diz Coester. O princípio que move o aeromóvel é singelo – o mesmo do barco à vela, apenas invertido. Um ventilador subterrâneo suga o ar da atmosfera para jogá-lo dentro de um duto oco sob os trilhos. O ar deslocado no túnel empurra uma placa de propulsão – espécie de vela virada de cabeça para baixo – colada ao veículo. Curso técnico para fugir do Exército Coester não tem curso superior. “Me rotulam de engenheiro, mas não fiz faculdade. Engenheiro é quem engendra”, brinca. Os pais vieram da Alemanha, em 1935, para plantar aspargos em Pelotas.
Aos 16 anos, ele chamava a atenção dos colegas da Escola Técnica do município construindo miniaturas de avião. No entusiasmo, fez logo um pequeno motor de dois cilindros. “Nasci com a sina de não sossegar até descobrir como as coisas funcionam, desde um relógio até uma turbina de jato.” Tinha espinhas no rosto quando, para fugir do serviço militar, ingressou na Escola Técnica da Varig, em Porto Alegre. Em 1956, após um curso na Boeing, nos Estados Unidos, passou a trabalhar no serviço de manutenção da Varig. Manejar equipamentos sofisticados de navegação e comunicação era puro deleite. “Me sentia um alcoólatra na adega”, compara. Na década de 60, quando morou no Leme, no Rio, teve o lampejo de conceber o aeromóvel. As horas jogadas fora no trânsito entre o aeroporto do Galeão (atual Tom Jobim) e o apartamento na zona sul carioca inspiraram o inventor a matutar um meio de se locomover com mais rapidez. “Se chovia, a avenida Brasil parava. Perdia mais tempo no trânsito do que voando.”
Quando largou o emprego na Varig, em 1969, para fundar uma fábrica de equipamentos náuticos em São Leopoldo, a 35 quilômetros da capital gaúcha, o sonho virou obsessão. “Concluí que era preciso criar vias expressas, fora do alcance de obstáculos.” Definir o que deveria circular na via elevada obedeceu a critérios pouco usuais como a relação entre o “peso morto” do veículo e a “carga viva” que ele transporta. “Um automóvel compacto pesa 1 tonelada. Se levarmos em conta o peso de um passageiro – 80 kg em média –, teremos mais de 90% de peso morto, com óbvia implicação em aumento de custo e energia”, afirma. Trem sem maquinista Leve e ágil – inspira-se na engenharia de aviação –, o aeromóvel tem quatro vezes menos “peso morto” em relação à carga útil, comparado a qualquer veículo que anda sobre trilhos. Com velocidade de 80 km por hora, pode transportar até 136 passageiros. Dispensa maquinista – as manobras são feitas nas estações por controle remoto. Tem freio a disco nas rodas, mas o principal meio de parar o bicho é acionar um sistema de propulsão, que altera a direção da massa de ar em movimento no túnel de vento sob os trilhos. Os primeiros ensaios foram feitos em casa com o aspirador de pó da mulher e um carro de brinquedo de um dos quatro filhos. A seguir, Coester acoplou rodas de lambreta a uma cadeira. Em maio de 1977, testou um chassis abarrotado de sacos de areia num trilho de verdade. Nesta altura, a fama do inventor maluco corria o país.
Em 1979, Jorge Franciscone, diretor da extinta EBTU (Empresa Brasileira de Transporte Urbano), resolveu apostar na idéia. Garantiu US$ 4 milhões para a construção da via experimental no Gasômetro, que passou a funcionar em caráter precário em 1983. A obra ficou inacabada em função da troca de piloto no Ministério dos Transportes – Cloraldino Severo substituiu Eliseu Rezende e arquivou o projeto. Em 1985, Renato Archer, ministro de Ciência e Tecnologia da Nova República, autorizou um empréstimo de US$ 2,5 milhões, concedido pela Finep. No clima de euforia do Plano Cruzado, quando se acreditava que a inflação estava debelada para sempre, o contrato de empréstimo (em cruzados) não previa cláusula de reajuste. Como se sabe, o plano econômico falhou. “Quando o dinheiro chegou, tinha virado pó”, lamenta Coester. Projeto funciona na Indonésia Nem tudo é motivo de frustração.
O aeromóvel foi implantado, em 1989, numa linha de 3,5 km num parque de Jacarta (Indonésia), onde há centros de convenção, prédios culturais e uma universidade. É a única operação comercial do veículo. Coester se associou a empresas americanas para tentar viabilizar – até agora, sem êxito – o invento em Long Beach, na Califórnia, e em Orlando, na Flórida. Nos anos 90, um estudo da prefeitura de Porto Alegre concluiu que o período de retorno do investimento para instalar uma linha de 7 km era de 13 anos – os investidores estrangeiros admitem no máximo dez anos. No mês passado, contudo, a prefeitura da capital gaúcha assinou protocolo de intenções comprometendo-se a reavaliar o aeromóvel. “É preciso saber se a tecnologia é viável”, ressalta Humberto Kasper, diretor de planejamento da EPTC. Coester não perde a esperança. “Quero dar minha contribuição para melhorar a vida nas grandes cidades.” Se a resposta da EPTC for negativa, o trem futurista que não sai do lugar continuará dialogando, em vão, com a velha Usina do Gasômetro, à beira do Guaíba.
Fonte: http://www.mecanica.ufrgs.br/
http://www.aeromovel.com.br/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Aerom%C3%B3vel
http://www.mecanica.ufrgs.br/mmotor/amhistoria.htm
Pólo RS – Revista Digital
O Aeromovel possui grande flexibilidade de projeto, podendo ser dimensionado conforme as necessidades específicas de cada aplicação. O Sistema pode atender às necessidades dos mais variados tipos de aplicação, tais como em linhas integradas à rede pública de transporte, em aeroportos, na interligação entre complexos hoteleiros, centros de convenções, centros esportivos, parques de estacionamento e outros. O veículo, a via elevada e o sistema de propulsão são adaptáveis às necessidades de cada caso, sendo os custos de implantação proporcionais à capacidade de transporte e complexidade de cada projeto.
As características intrínsecas do Aeromovel conferem ao Sistema expressiva simplicidade e robustez, traduzindo-se em um alto grau de desempenho e economicidade, com uma excelente qualidade de serviço.
O desempenho do Sistema, as vantagens da via elevada e o baixo custo de implantação e operação tornam o Aeromovel uma solução bastante atrativa, economicamente viável, permitindo o retorno dos investimentos a curto
prazo.
O Aeromóvel é um meio de transporte urbano automatizado em via elevada de concepção inteiramente brasileira e que utiliza um singular sistema[1] de propulsão pneumática, inventado por Oskar H.W. Coester.
O nome Aeromovel deriva de Aerodynamic Movemente Elevated.
O projeto foi implementado com sucesso em 1989, na cidade de Jakarta, capital da Indonésia. Constitui-se de uma linha circular construída no interior de um parque ecológico, que abriga centros de convenções, teatros, hotéis etc. Em Porto Alegre, desde 1983, opera uma linha-piloto de testes, onde são certificados os componentes da tecnologia
O conceito para o Aeromóvel é advindo da necessidade de se buscar novos paradigmas para o transporte público, em que um novo sistema que pudesse agregar uma série de características orientadas à funcionalidade e praticidade, pudesse ser implementado no Brasil e também no exterior, fomentando a indústria e engenharia nacionais.
Concebido, projetado e desenvolvido no Brasil por Oskar Coester - presidente do Grupo Coester S/A, tradicional desenvolvedor de tecnologia marítima à época - o Aeromóvel teve uma longa trajetória de desenvolvimento, passando adequadamente por todas as etapas seqüenciais de um projeto de engenharia desse porte. Desde sua concepção, passando por pequenos modelos até a sua maturação em um sistema em escala, teve o envolvimento de inúmeras entidades de pesquisa brasileiras, dentre elas a própria Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que exerceria papel notadamente expressivo, através de apoio dado pela FINEP. Foram realizados estudos desde 1980 até 1987, que corroboraram a viabilidade técnica do projeto, identificando os nichos de mercado nos quais o mesmo se inseriria mais eficientemente.
Patenteado em inúmeros países, o Aeromóvel foi instalado em Porto Alegre - o “projeto-piloto” - em 1983; e também em Jakarata, Indonésia, em 1989; sendo esta atualmente a única linha comercial deste sistema em operação em todo o mundo. A linha de Porto Alegre compreende duas estações espaçadas entre si em ~750m, em um percurso total de 1,1 quilômetro. Em Jakarta têm-se uma linha de 3,5 km que atravessa um parque ecológico (Taman Mini).
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Princípio de Funcionamento - A propulsão utiliza ventiladores industriais estacionários, normalmente localizados junto às estações de passageiros. Estes ventiladores são conectados ao duto de ar formado pela via, fornecendo o necessário fluxo de ar pressurizado, o qual é dosado conforme a velocidade e aceleração requeridas. A pressão de ar atua sobre placas de propulsão fixas ao veículo que se deslocam dentro do duto da via, resultando no empuxo de propulsão. O Aeromovel funciona tanto com pressão como com sucção de ar, ou seja, empurrando ou puxando o veículo, ou ambos. Com a propulsão pneumática, as rodas do veículo não são usadas para tracionamento; com isso, o veículo pode vencer aclives acentuados de até 10%.
O Veiculo
O veículo caracteriza-se pelo reduzido peso próprio, sobretudo por não ter a bordo os equipamentos associados à propulsão.
O veículo apresenta-se em versões de um, dois e três carros, tendo cada carro 12 metros de comprimento e capacidade para 136 passageiros, sendo 24 sentados e 112 em pé (6 pass./m²).
Cada carro do veículo possui duas portas de 1,80m de largura em cada lado, permitindo um embarque seguro, confortável e rápido.
Os veículos possuem truques de quatro rodas de aço, resilientes, e um sistema antidescarrilhamento, que
vincula o veículo à estrutura da via elevada por meio de contra-rodas no interior do duto de ar.
O Aeromovel possui um sistema duplo de frenagem, sendo o freio principal baseado no sistema de propulsão, complementado por freios a disco em todas as rodas.
Para o passageiro, o veículo Aeromovel oferece os subsistemas típicos de um sistema moderno, tais como iluminação, ventilação, portas automáticas, mensagens pré-programadas, sistema de orientação de passageiros e ar condicionado (opcional).
O sistema de emergência, a bordo, inclui saídas para a via em ambas as extremidades do veículo e baterias alimentam a comunicação de voz com o controle central, a iluminação, a ventilação e os subsistemas vitais de controle. Em condições normais de operação, o veículo é alimentado através dos trilhos da via, em baixa tensão.
A Via Elevada
A via elevada compõe-se de vigas e pilares pré-fabricados, permitindo uma montagem rápida e
descomplicada com guindastes sobre pneus.
A via do Aeromovel agrega as funções de suporte dos trilhos, duto de ar para propulsão do veículo e acesso seguro dos passageiros até a próxima estação em caso de emergência.
O raio mínimo de curva de 25 metros e vãos de vigas da via elevada variáveis de 10 a 30 metros permitem a fácil inserção do Aeromovel nos traçados urbanos, sem a necessidade de desapropriações.
A altura da via, normalmente de 4,50 a 5,50 metros, pode ser elevada o suficiente para passar sobre viadutos e ferrovias existentes.
Os desvios e aparelhos de mudança de via são compactos, utilizando vigas de apenas 10 metros de extensão, e raio de 30 metros na curva do desvio.
O Sistema de Controle
Toda a operação do Aeromovel é feita remotamente, de um Controle Central localizado em uma das estações ou
próximo à linha.
O sistema de controle de última geração do Aeromovel é baseado na tecnologia de controladores programáveis (PLC) modulares de alta confiabilidade, permitindo ajustar os mais diversos parâmetros operacionais, tais como velocidade, aceleração, frota de veículos, headway e parada nas estações.
O controle do Aeromovel compreende um Sistema ATC, com ATP (Automatic Train Protection) e ATO (Automatic Train Operation), e um Sistema ATS (Automatic Train Supervision) para interface com o Operador.
A Propulsão
O sistema de propulsão utiliza ventiladores estacionários, com versões operando com energia elétrica ou gás natural.
Complementarmente, válvulas para controle do fluxo de ar são instaladas na via elevada, criando circuitos pneumáticos exclusivos para controle de cada veículo isoladamente, o que proporciona uma separação segura e intrínseca entre veículos.
Válvulas de isolamento detrecho realizam a separaçãoentre circuitos de propulsão.Quando abertas, estasválvulas permitem apassagem segura do veículopara o próximo trecho desocupado.
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Desempenho, aspecto ambientais e de conforto. - Desempenho adaptável às necessidades de cada horário, através da seleção e perfis de velocidade e headway pré-definidos. Parâmetros operacionais ajustáveis conforme a necessidade, com aceleração do veículo até 1,1m/s² , desaceleração de 1,0m/s² e velocidade até 80km/h.
Headway típico de 1 a 2 minutos.
Baixo custo de implantação e operação
Mínima poluição do ar, com gás natural; nenhuma, com energia elétrica.
Baixo nível de ruído.As rodas, as fixações dos trilhos e a suspensão do veículo são dotadas de eficientes isoladores de ruído e vibração. O veículo é passivo, sem motores de tracionamento a bordo.
Via elevada de pequenas dimensões, com reduzido impacto visual.
Nenhum impacto eletromagnético.
Contribui com a melhoria da qualidade do meio ambiente e do espaço urbano.
Requer um reduzido espaço no nível do solo. O pilar ocupa menos de 1,0m²
Fácil inserção e integração da via na malha urbana.
A via elevada cria um novo espaço, liberando a área nonível do solo para outras funções e atividades.
Vista privilegiada para os passageiros durante a viagem.
Aceleração e desaceleração gradativas, sem desconforto para o passageiro em pé, decorrente da elasticidade do ar na propulsão pneumática.
O Aeromóvel é tecnologia nacional.
Sob o ponto de vista dos impactos ambientais, o Aeromóvel provou ser extremamente silencioso, uma vez que as fontes de vibração (motores elétricos) encontram-se afastadas dos veículos, em módulos facilmente isoláveis com métodos tradicionais. A disrupção visual à paisagem circundante é reduzida e suas linhas modernas conferem ao sistema atrativos turísticos. Quanto à propulsão, uma vez utilizando-se motores elétricos industriais, corrente alternada de baixa tensão e potência, para o acionamento mecânico dos sopradores, a emissão de poluentes gasosos é nula.
A característica adaptativa e a grande versatilidade de projeto do Aeromóvel conferem-lhe o vantajoso trunfo de poder estabelecer conexões entre diferentes sistemas modais, preenchendo históricas lacunas ainda existentes nas deficitárias redes de transportes dos massivos centros urbanos, com o benefício da ausência de qualquer ônus ao ambiente no que concerne ao aumento de emissões. A sua facilidade de construção e grande liberdade de traçado para suas vias permitem o cruzamento de forma quase incólume por regiões que não permitiriam o tráfego de sistemas mais intrusivos (como em áreas verdes).
Desse modo, o Aeromóvel pode ser aplicado para reduzir os tempos médios de viagem atualmente observados, tirando proveito de sua racional ocupação vertical do espaço urbano, que dispensa em grande parte as onerosas ampliações nas pistas de rolagem e demais intervenções, sendo, portanto, uma alternativa de baixo custo e ambientalmente orientada; que torna mais célere a capacidade de mobilidade, e em conseqüência também disso, contribui a aumentar a qualidade de vida nas grandes cidades.
Sinopse da Cronologia do Aeromóvel
Data Fato
1959 Rubem Berta, presidente da VARIG, conversa com Coester em Seattle (EUA), surge então a motivação para a concepção de um novo sistema de transporte.
1977 Primeiro protótipo: um rudimentar veículo para um tripulante percorria um trecho de 30 metros.
1980 Na Feira de Hannover, Alemanha; um protótipo maior (16 passageiros sentados) foi sucesso absoluto no evento, transportando 18.000 pessoas em 9 dias.
1983 É inaugurada linha-piloto em Porto Alegre.
1987 A linha-piloto é equipada com controle automatizado de operação e são adicionadas ao trecho uma seção curva, um desvio, uma rampa e outra estação.
1989 É inaugurada na Indonésia a primeira linha comercial do Aeromóvel.
Um mineiro inventou o avião; um gaúcho, o aeromóvel Enviado por Paulo Sérgio Loredo, São Paulo-Capital Por Ronaldo Schlichting, administrador de empresas 25 junho, 2004
Em discurso proferido em 2003, em Santa Catarina, o presidente da República declarou para um grupo de operários que o Brasil é um pais pobre. Só não disse do quê.
Pois, eu vou me permitir completar o pensamento do atual primeiro mandatário da nação. Sim, o Brasil é um país muito pobre, mas de estadistas, de políticos sérios e de instituições confiáveis que estejam única e exclusivamente a seu serviço. Por isso, pobre em poder. Esta é a única riqueza que nos falta, o poder nacional que traz a plena soberania. Se tivéssemos o poder em nossas mãos já teríamos tudo. Teríamos um verdadeiro projeto de nação.
Pela falta dele, já no século 19, o gaúcho Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, fracassou na sua tentativa de promover para o Brasil, já naquela época, um "espetáculo de desenvolvimento". Culpa dele? É o típico caso da boa semente que caiu em solo estéril da politicagem brasileira, historicamente subordinada aos interesses internacionais.
No final do século 19, dentre centenas de casos, temos mais um, onde outra boa semente da genuína tecnologia brasileira, a do aeromóvel, também foi semeada nessa terra infectada pela praga do cosmopolitismo imperialista, que não permite que algo nela plantada vingue em benefício do povo brasileiro. Chegou a germinar, mas, pelo terrível efeito da peste, não cresceu e, portanto, também não frutificou. A partir do ano de 1983 eu tive a oportunidade de observar, em Brasília e Porto Alegre como esta epidemia se propaga, conhecer seus agentes e suas estratégias para propagação da doença.
No começo da década de 60, Oskar Coester, um técnico aeronáutico, recebeu um desafio de Rubens Berta, presidente da Varig: "Que tipo de sistema de transporte urbano poderia transportar os passageiros das empresas aéreas dos centros das grandes cidades até seus aeroportos em menos tempo do que os novos jatos -recém introduzidos na aviação civil- levavam para voar de uma cidade a pelo menos 400 Km uma da outra?" Motivo: já se gastava mais tempo para se deslocar, por exemplo, do Centro do Rio de Janeiro ao aeroporto do Galeão do que voando de Congonhas a este mesmo aeroporto.
Oskar Coester estabeleceu as seguintes condições como premissas básicas para poder resolver plenamente o problema proposto: o sistema teria que ser elevado ou subterrâneo e em via exclusiva, para não conflitar com o tráfego de superfície; custo de implantação e operação extremamente baixo; seguro, confortável, confiável e rápido; "ecologicamente correto"; deveria impactar e perturbar o meio ambiente muito menos do que qualquer sistema existente.
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Na época não existia nenhum sistema com essas características. - Tempos depois, ao observar um vagonete que rodava sobre trilhos, movido a vento como um barco, pela adaptação de um mastro e uma vela, com a função de transportar pessoas de uma ponta a outra no trapiche do porto de Rio Grande (RS), Coester teve ali sua grande inspiração. Como aquele veículo não tinha tração nas rodas, teoricamente, poderia ter seu peso morto reduzido a zero, deixando o resto para transportar toda a carga útil possível, o que traria uma tremenda economia de energia para realizar o trabalho. Não tendo peso morto e tração nas rodas, poderia ser elevado com facilidade e por um custo de implantação muito baixo — hoje quase dez vezes inferior do que para se instalar um metrô subterrâneo com a mesma capacidade de transporte.
Mas de onde viria o vento de forma constante e controlada para a sua propulsão? Para isso, bastaria inverter a posição da vela e colocá-la dentro de um duto onde se sopraria o vento produzido por um ventilador industrial comum acionado por um motor elétrico trifásico de corrente alternada de baixa voltagem.
E mais: a parte superior do duto de concreto, elevado sobre estreitos pilares, também serviria para se assentar os trilhos onde se faria a rolagem do veículo em via totalmente exclusiva. Por que elevado? Para se ter um custo de implantação muito menor do que um sistema enterrado e evitar conflito com o trânsito de superfície, o que conferiria total mobilidade, velocidade e segurança.
Pronto, estava inventado o aeromóvel, o sistema elevado para o transporte urbano de passageiros.
Como aparece, como some
Os primeiros ensaios foram realizados na residência do inventor, com o aspirador de pó da esposa e um carrinho de brinquedo de um dos quatro filhos. A seguir, num segundo modelo, Coester acoplou rodas de lambreta a uma cadeira. Ambos os experimentos funcionaram excepcionalmente bem, acima de qualquer expectativa. Em maio de 1977, testou um vagonete sobre trilhos carregado com sacos de areia. Nesta altura, sua fama já corria o país. Em 1979, Jorge Franciscone, diretor da extinta EBTU (Empresa Brasileira de Transporte Urbano), resolveu apostar na idéia. Garantiu US$ 4 milhões para a construção da via experimental em Porto Alegre, no Gasômetro, que passou a funcionar em caráter experimental em 1983, a qual tive a oportunidade de testar várias vezes.
Porém, o projeto não foi concluído em função da troca no Ministério dos Transportes, onde Cloraldino Severo substituiu o então ministro Eliseu Rezende (atualmente deputado federal por Minas Gerais) e arquivou o projeto.
Também fui testemunha da atitude cosmopolita imperialista e antipatriótica de Cloraldino Severo para com o projeto de Oskar Coester. Neste mesmo ano, ao visitar a EBTU em Brasília, procurando mais informações sobre o sistema, fui informado por um de seus diretores que o ministro Cloraldino, ao assumir a pasta, tinha proibido todos os funcionários de falarem sobre o assunto, inclusive mandando destruir todo o material informativo sobre o aeromóvel existente no Ministério e na EBTU.
Em 1984, a convite do então deputado estadual Carrion Jr., cheguei a Porto Alegre para assistir na Assembléia Legislativa a uma audiência onde Cloraldino Severo foi convidado a dar explicações à sociedade gaúcha sobre os motivos que o levaram a boicotar o projeto. Resumo assim as justificativas do ministro dos Transportes de João Figueiredo para tão impatrióticos e arbitrais atos: ele disse ter suspenso o financiamento ao projeto por não acreditar que um "alemãozinho", em uma oficina de fundo de quintal, pudesse desenvolver um sistema de transporte coletivo de passageiros que viesse a competir com os sistemas já em uso, produzidos pelas grandes empresas multinacionais.
Nesta oportunidade, Oskar Coester não trabalhava mais para a Varig, sendo diretor presidente de sua própria empresa, a Coester S/A, especializada na produção de sistemas de navegação automática e controle de leme para a marinha nacional e estrangeira.
Foi aí que eu pude perceber pela primeira vez como, por ordem e influência de um poder supranacional, o Estado brasileiro estava começando a ser demolido com a colaboração e o trabalho da alta cúpula da burocracia estatal e dos políticos cooptados e submetidos à vontade e às determinações desta nova "ordem".
Coincidência ou não, foi durante o ano de 1982 que se estabeleceu o famigerado "Consenso de Washington", sendo no Brasil o aeromóvel uma de suas primeiras vítimas, juntamente com o Programa Espacial, o submarino nuclear brasileiro, a Embrapa e outras.
Em 1985, Renato Archer, ministro da Ciência e Tecnologia da Nova República, autorizou um empréstimo de US$ 2,5 milhões, concedido pela Finep*, para a conclusão do trecho experimental. No entanto, em meio ao clima de euforia do Plano Cruzado, quando se acreditava que a inflação estava debelada para sempre, o contrato de empréstimo (em cruzados) desprezou a inclusão da cláusula de reajuste. Como se sabe, o plano econômico falhou. Quando o dinheiro chegou, tinha virado pó e nada pôde ser feito...
Mais e mais vantagens
Baseado na engenharia de aviação, o veículo do sistema aeromóvel tem quatro vezes menos "peso morto" em relação à carga útil transportada, comparado com qualquer vagão ferroviário.
O trem em funcionamento na linha piloto de Porto Alegre permitia a velocidade de até 80 km por hora e o transporte de 136 passageiros por veículo articulado em linha simples, características essas determinadas à época pela EBTU — nada impedindo que ele pudesse viajar muito mais rápido e com veículos de muito maior capacidade de transporte que este primeiro protótipo.
O sistema também dispensa a necessidade de condutor e as manobras são feitas nas estações por controle remoto computadorizado. Tem freio a disco nas rodas só para estacionamento, pois o principal meio de parar o comboio é inverter o seu sistema de propulsão, que altera a direção do fluxo de ar em movimento no "ventoduto" sob os trilhos.
Outra excepcional característica do aeromóvel: ele é praticamente à prova de descarrilamento e de colisão, já que o pistão plano (vela invertida) — introduzido dentro do "ventoduto" é ligado à parte inferior do vagão por meio de uma estreita
haste que corre ao longo de uma fina fenda existente na parte superior do próprio "ventoduto", entre os trilhos — não permite que ele descarrile. Se, por acaso, um veículo se aproximar indevidamente do outro, forma-se um colchão de ar comprimido dentro do "aeroduto" entre as duas velas de cada um deles, não permitindo que o indesejável evento venha ocorrer.
O aeromóvel também foi implantado em 1989 numa linha de 3,5 km num parque de Jacarta (Indonésia), onde há centros de convenção, prédios culturais e uma universidade. Até hoje é a única linha em operação comercial no mundo onde já transportou, sem falhas, mais de 14 milhões de passageiros.
Se, neste momento, houvesse governo brasileiro representando um mínimo de poder e vontade política do povo seria possível revolucionar o transporte coletivo no país, estimular a indústria genuinamente brasileira e gerar milhares de empregos com salários compatíveis às necessidades da população, através da ação combinada e coordenada de alguns de seus ministérios.
Por princípio, o que teriam alguns a fazer?
Ministério da Indústria e Comércio: o aeromóvel foi concebido para ser construído e implantado sem a necessidade da importação de um único parafuso, portanto, beneficiando 100% a indústria nacional — tanto a da construção civil, a metalúrgica, a eletroeletrônica, a de autopeças e a mecânica, além da exportação, como já ficou demonstrado.
Ministério do Trabalho: como 65 % do custo de implantação do sistema se refere às obras civis, isto significa a geração de um grande numero de empregos só nesta área.
Ministério das Cidades: para a implantação do sistema aeromóvel não é necessário realizar desapropriações, portanto, pode ser levado facilmente a qualquer ponto das cidades utilizando-se das áreas públicas já existentes. Essa é uma das grandes ferramentas para a regeneração urbana.
Ministério das Minas e Energia: como o sistema funciona acionado por energia elétrica alternada e de baixa tensão, não é necessário, como no caso dos trens e metrôs, a construção das caríssimas estações de rebaixamento de voltagem e retificação de corrente, porque a simples utilização de motores trifásicos, de até 200 CV, são suficientes nas estações de bombeamento de ar, mesmo para os trechos de maior velocidade ou aclive. Estando as estações de bombeamento de ar equipadas com geradores de emergência, o sistema não pára em casos de apagão.
Ministério do meio Ambiente: o aeromóvel, literalmente, pode ser movido a vento em regiões propícias à utilização da energia elétrica fornecida por geradores eólicos — que, aliás, já são produzidos no Brasil e exportados até para a Alemanha por uma empresa instalada em Sorocaba. Também pequenas hidroelétricas, biogás, gás natural, o metano produzido por aterros sanitários, etc., podem ser utilizados direta ou indiretamente para a sua propulsão.
Ministério da Ação Social: o preço do transporte por passageiro através do aeromóvel fica até três vezes menor do que o pago em qualquer linha de ônibus que cumpre o mesmo percurso.
No Brasil, transporte coletivo é questão de Estado.
A quem não interessa?
No exterior: ao Fundo Monetário Internacional (FMI), ao Banco Mundial, ao BIRD e ao sistema financeiro, às poderosas corporações mundiais da área do transporte, à indústria (estrangeira) do petróleo, etc. etc.
No Brasil: às concessionárias do transporte coletivo urbano e às prefeituras com interesse na continuidade desse relacionamento; à indústria automobilística, fabricante de chassis para ônibus; às distribuidoras estrangeiras de petróleo; aos fabricantes de pneus etc.; e ao Diálogo Interamericano, através de seus agentes locais, simpatizantes e "inocentes" úteis.
(*) Finep – Financiadora de Estudos e Projetos, pertencente ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Criada para "promover e financiar a inovação, a pesquisa científica e tecnológica em empresas, universidades, centros de pesquisa, governo e entidades do terceiro setor, mobilizando recursos financeiros e integrando instrumentos para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA MECÂNICA MUSEU DO MOTOR
O Museu do Motor foi idealizado pelos alunos do curso de graduação em Engenharia Mecânica no ano de 1991 e inaugurado oficialmente em 1º de setembro de 1994. O objetivo inicial era o de preservar e restaurar motores e componentes automotivos pertencentes à centenária Escola de Engenharia de Porto Alegre, formando um acervo histórico acessível à comunidade acadêmica e ao público em geral. Assim, esse classifica-se em termos museológicos na categoria de museu de ciência e tecnologia. Destaca-se no acervo, um motor Otto de 1894, de fabricação americana, o mais antigo exemplar do tipo ainda em funcionamento no continente latino-americano.
Com o passar dos anos, o Museu do Motor organizou eventos culturais, tais como: exposições, cursos e palestras; em muitos casos, contando com ampla divulgação da mídia. Sempre lembrado entre os colegas de curso como um ponto de encontro e descontração, também é tido como um fomentador de atividades acadêmicas. A filosofia que norteia o Museu é a de divulgar a ciência e engenharia para alunos do ensino fundamental e médio e de fomentar novas idéias e estimular o estudo de novos projetos com os alunos do curso de graduação, mostrando a imperiosa necessidade de se aplicarem as teorias vistas em sala de aula e adaptá-las à realidade e necessidades da nossa sociedade. Os alunos do Museu ajudam a preservar a história e memórias de toda uma época, mas também olham para o futuro e engajam-se em projetos inovadores que surgem trazendo benefícios ao nosso país.
Ao completar uma década de atividades do Museu, propôs-se uma palestra específica (seguida de uma visita de campo) que traria novamente à memória dos futuros engenheiros uma invenção legitimamente nacional e muito interessante, lucrativa, limpa, inovadora e, infelizmente; esquecida: O Aeromóvel.
Por desejo de um número expressivo de alunos que tinham curiosidade e interesse pelo assunto, o Sr. Oskar Coester foi convidado a palestrar sobre sua notável criação. No dia 1º de setembro, sob olhares atentos, falou para quase 80 estudantes em uma sala de aula lotada do Departamento de Engenharia Mecânica sobre a motivação que o levou a desenvolver o projeto de sua vida, bem como assuntos técnicos referentes ao mesmo. Na manhã seguinte e não importando a chuva, todos estavam reunidos na Av. Loureiro da Silva (perimetral) para conferir de perto o projeto-piloto instalado em Porto Alegre e que lá repousa desde 1983. Os futuros engenheiros olhavam atentamente cada detalhe e inundavam de perguntas o Sr. Coester, que a todas respondia com presteza. O sentimento final à visita foi um misto de frustração e revolta, afinal, o quê exatamente impede tão interessante projeto de seguir em frente?
A idéia do Aeromóvel nasceu da necessidade de um transporte público que aliasse segurança, velocidade e praticidade, ademais; também fosse ecologicamente correto. Sendo no ano de 1984 sucesso absoluto na Feira de Hannover (Alemanha), transportando mais de 18.000 passageiros do mundo inteiro, que faziam fila para experimentar aquela inovação. Fernando Sabino relata sobre a sua experiência com o Aeromóvel àquela época: “As portas se fecharam suavemente e nos vimos deslizando ao longo dos trilhos, no silêncio mais absoluto. Só dava para saber que estávamos num trem e não numa nave espacial, porquê não havíamos levantado vôo. Ele se deteve ao fim da linha, também com toda a suavidade, e veio voltando até a estação. O trajeto era curto, mas dava para sentir com emoção que aquele era, por antecipação, o meio de transporte do século 21”.
O Aeromóvel é definitivamente não-convencional: baseado em conceitos da aviação (apesar de ter similaridade na forma com dispositivos ferroviários) é projetado para viajar em vias elevadas, sustentadas por colunas de mais de 5m de altura, podendo cortar o trânsito das grandes cidades sem afetar a infra-estrutura circundante, pois há necessidade de pouca ou nenhuma desapropriação, ao contrário do que ocorre nos metrôs em suas subways. Suas colunas e vigas são pré-moldadas, bastando apenas o encaixe final (assembly) no local definitivo; possuindo pouco impacto visual à paisagem circundante.
A maior inovação deste sistema, indubitavelmente, advém da sua propulsão baseada na passividade do veículo (shuttle), que reduz drasticamente o dito “peso-morto” (relação massa do veículo pela massa total de passageiros embarcados --- um princípio consagrado da aviação), sendo os shuttles fabricados em alumínio (ou fibras-de-carbono, alternativamente) a custos reduzidos. O conceito por trás da força motriz do sistema remete-nos a um romantismo nostálgico de priscas eras: O conceito do barco à vela. Aplicado à modernidade, o Aeromóvel consiste em um barco com sua vela invertida, fixada abaixo do veículo e propelida pelo ar insuflado à baixa pressão e alta vazão em um duto retangular, através de ventiladores industriais convencionais (motor elétrico trifásico de baixa tensão e de corrente alternada --- dispensando, portanto, os inconvenientes retificadores e transformadores para os trens elétricos). O resultado: uma viagem surpreendentemente silenciosa, sem as incômodas vibrações oriundas dos rodeiros robustos dos sistemas tradicionais tracionados nas rodas, como os dos trens elétricos. O sistema Aeromóvel é todo automatizado por computadores, dispensando operadores à bordo do veículo, facilitando sua manutenção e diminuindo os custos.
Uma diferença interessante da tecnologia Aeromóvel para suas congêneres é a de que o veículo é capaz de vencer aclives e fazer curvas de raios de até 25m (algo deveras impossível para similares ferroviários), uma vez que o rodeiro do veículo não é o elemento que faz a tração, podendo uma roda girar independente da outra; o quê em se tratando de grandes cidades, com construção muitas vezes não-uniforme, é uma vantagem decisiva. Os sistemas ferroviários tradicionais têm que obrigatoriamente seguir um trajeto essencialmente linear, o que limita as suas possibilidades de uso; quando vistos de forma isolada (o quê ratifica a necessidade de integração dos diferentes meios de transportes urbanos, onde o Aeromóvel poderia exercer contribuição importante neste novo possível contexto, aliando-se a isso sua singular vinculação regional e apelo turístico como cartão-postal e referência internacional).
A segurança do Aeromóvel se dá com base em seu próprio princípio de funcionamento, que torna colisões entre diferentes veículos virtualmente impossíveis, uma vez que o “colchão” de ar existente entre eles impede que se aproximem excessivamente, evitando riscos de choque. Descarrilamentos são evitados pela aleta (“vela”), que fixa o veículo à tubulação. O sistema de frenagem também é certificado, pois consiste na reversão do sentido do fluxo, que desacelera veículo. No caso remoto de pane, o veículo pode ser evacuado por meio de grandes aberturas que ficam à frente e atrás (que podem ser usadas, em condições normais, como janelas para vista panorâmica) e os passageiros podem caminhar por sobre a pista até a próxima estação (a pista é larga permitindo tal procedimento, além do fato de que sendo desta forma, permite maior estabilidade do veículo, que se desloca muito próximo aos trilhos).
Quanto às questões técnicas, têm-se alegado por parte de algumas pessoas que o sistema seria pouco eficiente (devido às perdas de carga ao longo do duto, ou ao fato de se estar convertendo energia elétrica em eólica), mas o quê ocorre em verdade é que há perdas nítidas, mas sobre uma quantidade pequena de energia aplicada; em relação aos sistemas convencionais, como trens elétricos. A quantidade de energia demandada para operar o sistema é muito menor que em outros sistemas congêneres. Estes sistemas são mais eficientes do ponto de vista energético, mas demandam uma quantidade criticamente maior de energia. Assim, se deve fazer um balanço com todas estas variáveis, caso contrário cai-se nesta falácia vulgar, muitas vezes usada para tentar justificar o abandono dessa tecnologia por parte das autoridades, ocultando possíveis interesses políticos e ideológicos por parte das mesmas.
Este sistema já está em operação comercial em Jakarta (Indonésia) desde 1989. O Aeromóvel percorre um trecho de 4km, tendo transportado ao longo de todos estes anos, mais de 14 milhões de pessoas, sem registrar nenhum acidente. Em Porto Alegre, há desde 1983 um trecho inacabado de 1.1km, o “projeto-piloto”. Nessa instalação foram feitas mais de 300.000 viagens sem nenhuma falha registrada, sendo utilizado um motor elétrico com potência de 80 kW (potência equivalente a um motor de combustão interna de um antigo carro Opala --- que transporta apenas 05 passageiros, em carga máxima) para insuflar ar e propelir o veículo.
A intenção deste Manifesto Público Pró-Aeromóvel é a de dar uma modesta contribuição com intuito de sensibilizar a mídia para divulgação desta tecnologia (com reportagens, debates e documentários), incentivar empresas privadas e seus investidores à promoção desse sistema e incitar a sociedade brasileira e gaúcha a reivindicar soluções e realizar a real necessidade de se revisitar esse conceito como alternativa ecologicamente viável para o século XXI, mostrando-nos o real valor do potencial do nosso país e de suas realizações intelectuais, científicas e tecnológicas.
Este documento, de livre iniciativa dos integrantes do Museu do Motor – UFRGS, será encaminhado para órgãos da imprensa (escrita e áudio-visual), partidos políticos, governantes, universidades e empresas da iniciativa privada.
Porto Alegre, RS, 08 de setembro de 2004.
Aeromóvel: o futuro criando poeira - 8/11/2001 Paulo César Teixeira
Um charuto de alumínio que desliza sobre um colchão de ar. É o aeromóvel suspenso a cinco metros de altura numa via sustentada por pilares de concreto, que une duas estações desertas de passageiros, no centro de Porto Alegre. A linha tem 90 centímetros de largura e 750 metros de comprimento. Está lá há 18 anos e custou US$ 6,5 milhões. Por enquanto, é apenas um elefante branco. Na paisagem à beira do Guaíba, o trem futurista contrasta com a velha Usina da Volta do Gasômetro. É o diálogo entre um futuro que não veio – e talvez não chegue jamais – e um passado que achou lugar no presente. Tombado, o prédio da usina (inaugurada em 1874) se transformou num dos principais centros culturais da cidade.
Do outro lado da rua, o aeromóvel não saiu do lugar, exceto para testes e para duas ou três voltas com autoridades a bordo, dispostas a tornar realidade o sonho do inventor Oskar Coester, de 63 anos, nascido em Pelotas (RS). A fama do aeromóvel oscila entre ovo de Colombo e simples maluquice. “O mundo só se move por causa dos sonhadores, mesmo que as idéias inovadoras colidam com costumes arraigados ou interesses econômicos”, diz Coester. O princípio que move o aeromóvel é singelo – o mesmo do barco à vela, apenas invertido. Um ventilador subterrâneo suga o ar da atmosfera para jogá-lo dentro de um duto oco sob os trilhos. O ar deslocado no túnel empurra uma placa de propulsão – espécie de vela virada de cabeça para baixo – colada ao veículo. Curso técnico para fugir do Exército Coester não tem curso superior. “Me rotulam de engenheiro, mas não fiz faculdade. Engenheiro é quem engendra”, brinca. Os pais vieram da Alemanha, em 1935, para plantar aspargos em Pelotas.
Aos 16 anos, ele chamava a atenção dos colegas da Escola Técnica do município construindo miniaturas de avião. No entusiasmo, fez logo um pequeno motor de dois cilindros. “Nasci com a sina de não sossegar até descobrir como as coisas funcionam, desde um relógio até uma turbina de jato.” Tinha espinhas no rosto quando, para fugir do serviço militar, ingressou na Escola Técnica da Varig, em Porto Alegre. Em 1956, após um curso na Boeing, nos Estados Unidos, passou a trabalhar no serviço de manutenção da Varig. Manejar equipamentos sofisticados de navegação e comunicação era puro deleite. “Me sentia um alcoólatra na adega”, compara. Na década de 60, quando morou no Leme, no Rio, teve o lampejo de conceber o aeromóvel. As horas jogadas fora no trânsito entre o aeroporto do Galeão (atual Tom Jobim) e o apartamento na zona sul carioca inspiraram o inventor a matutar um meio de se locomover com mais rapidez. “Se chovia, a avenida Brasil parava. Perdia mais tempo no trânsito do que voando.”
Quando largou o emprego na Varig, em 1969, para fundar uma fábrica de equipamentos náuticos em São Leopoldo, a 35 quilômetros da capital gaúcha, o sonho virou obsessão. “Concluí que era preciso criar vias expressas, fora do alcance de obstáculos.” Definir o que deveria circular na via elevada obedeceu a critérios pouco usuais como a relação entre o “peso morto” do veículo e a “carga viva” que ele transporta. “Um automóvel compacto pesa 1 tonelada. Se levarmos em conta o peso de um passageiro – 80 kg em média –, teremos mais de 90% de peso morto, com óbvia implicação em aumento de custo e energia”, afirma. Trem sem maquinista Leve e ágil – inspira-se na engenharia de aviação –, o aeromóvel tem quatro vezes menos “peso morto” em relação à carga útil, comparado a qualquer veículo que anda sobre trilhos. Com velocidade de 80 km por hora, pode transportar até 136 passageiros. Dispensa maquinista – as manobras são feitas nas estações por controle remoto. Tem freio a disco nas rodas, mas o principal meio de parar o bicho é acionar um sistema de propulsão, que altera a direção da massa de ar em movimento no túnel de vento sob os trilhos. Os primeiros ensaios foram feitos em casa com o aspirador de pó da mulher e um carro de brinquedo de um dos quatro filhos. A seguir, Coester acoplou rodas de lambreta a uma cadeira. Em maio de 1977, testou um chassis abarrotado de sacos de areia num trilho de verdade. Nesta altura, a fama do inventor maluco corria o país.
Em 1979, Jorge Franciscone, diretor da extinta EBTU (Empresa Brasileira de Transporte Urbano), resolveu apostar na idéia. Garantiu US$ 4 milhões para a construção da via experimental no Gasômetro, que passou a funcionar em caráter precário em 1983. A obra ficou inacabada em função da troca de piloto no Ministério dos Transportes – Cloraldino Severo substituiu Eliseu Rezende e arquivou o projeto. Em 1985, Renato Archer, ministro de Ciência e Tecnologia da Nova República, autorizou um empréstimo de US$ 2,5 milhões, concedido pela Finep. No clima de euforia do Plano Cruzado, quando se acreditava que a inflação estava debelada para sempre, o contrato de empréstimo (em cruzados) não previa cláusula de reajuste. Como se sabe, o plano econômico falhou. “Quando o dinheiro chegou, tinha virado pó”, lamenta Coester. Projeto funciona na Indonésia Nem tudo é motivo de frustração.
O aeromóvel foi implantado, em 1989, numa linha de 3,5 km num parque de Jacarta (Indonésia), onde há centros de convenção, prédios culturais e uma universidade. É a única operação comercial do veículo. Coester se associou a empresas americanas para tentar viabilizar – até agora, sem êxito – o invento em Long Beach, na Califórnia, e em Orlando, na Flórida. Nos anos 90, um estudo da prefeitura de Porto Alegre concluiu que o período de retorno do investimento para instalar uma linha de 7 km era de 13 anos – os investidores estrangeiros admitem no máximo dez anos. No mês passado, contudo, a prefeitura da capital gaúcha assinou protocolo de intenções comprometendo-se a reavaliar o aeromóvel. “É preciso saber se a tecnologia é viável”, ressalta Humberto Kasper, diretor de planejamento da EPTC. Coester não perde a esperança. “Quero dar minha contribuição para melhorar a vida nas grandes cidades.” Se a resposta da EPTC for negativa, o trem futurista que não sai do lugar continuará dialogando, em vão, com a velha Usina do Gasômetro, à beira do Guaíba.
Fonte: http://www.mecanica.ufrgs.br/
http://www.aeromovel.com.br/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Aerom%C3%B3vel
http://www.mecanica.ufrgs.br/mmotor/amhistoria.htm
Pólo RS – Revista Digital
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