14/09/2009 - por Nilder Guedes, no Alerta em Rede. Com a aproximação da Conferência sobre o Clima de Copenhague (COP-15), em dezembro, sem qualquer sinal de compromissos ambiciosos para mitigar o fatídico CO2 por parte dos países desenvolvidos, o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon deixou de lado a diplomacia e resolveu pressionar o presidente Lula para que o Brasil adote metas mesuráveis contra o desmatamento na Amazônia e que atenda a algumas demandas de países “doadores” para ajudar os emergentes a manterem suas florestas. O recado é muito claro: entre os pontos que o Brasil terá de encarar, estão a insistência para que haja uma metodologia comum para medir o desmatamento, a existência de metas claras de redução do desmatamento e o desmatamento que possa ser medido por critérios adotados por todos os países. Em outras palavras, estão dizendo que os índices de ... desmatamento comunicados pelo Brasil não têm credibilidade e, portanto, devem ser monitorados de fora, uma atitude cínica quando se sabe que não existem métodos cientificamente confiáveis para tal.
Acrescentando injúria à ofensa, a ONU quer que o Brasil deixe de usar o argumento da soberania para impedir qualquer “sugestão” sobre o que fazer com a Amazônia. Traduzindo em miúdos, trata-se da velha tese da “soberania restrita” que o Brasil poderia exercer sobre a Amazônia e que foi enunciada sem rodeios por François Mitterrand e outros dirigentes do Establishment anglo-americano há mais de duas décadas.
O Itamaraty, que tem se mostrado ambíguo sobre eventuais metas mensuráveis a serem assumidos pelo Brasil em Copenhague, deveria observar com cuidado a posição dos países africanos. Em reunião realizada hoje em Adis-Abeba (Etiópia) entre representantes dos países africanos e da OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico), Meles Zenawi, primeiro-ministro etíope, afirmou que a África será representada em Copenhague por uma única equipe e que “Nós vamos utilizar o nosso número para minar a legitimidade de qualquer acordo que não cumprir um mínimo de condições. Caso for necessário, nós estamos preparamos para deixar as negociações que serão uma nova violação de nosso continente”.
Essa radicalização dos países africanos acontece no momento em que muitos estudos confirmam que os países pobres serão as primeiras vítimas da mudança climática, mesmo que, como pequenos poluidores, sejam os menos responsáveis. Ocorre que, segundo o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, “se não reduzirmos as emissões de gazes de efeito estufa de maneira significativa, os prejuízos causados à economia dos países pobres serão 10 vezes superiores aos registrados nos países desenvolvidos”. Estas constatações levam os países mais pobres, especialmente africanos, a pedir uma forte contribuição dos países industrializados. A questão do financiamento da adaptação às mudanças climáticas aparece assim em primeiro plano nas negociações climáticas e foi em relação a ela que a Conferência de Poznan, em dezembro passado, fracassou.
Do lado europeu, teme-se que a radicalização da África paralise completamente as discussões de Copenhague, já mal encaminhadas. “Alguns países mais pobres são persuadidos de que os países ricos querem o acordo a qualquer preço”, disse Brice Lalonde, embaixador francês para a negociação climática. “Mas se você disser aos países ricos, ‘vocês só vão ter que pagar e transferir as suas técnicas gratuitamente sem saber como será empregado o dinheiro’, é certo que não haverá acordo”, disse Lalonde em tom nada surpreendente para quem foi fundador da ONG Friends of the Earth (Amigos da Terra) na França e ministro de Meio Ambiente no governo François Mitterrand.
Pelo andar da carruagem, tudo indica que a conferência de Copenhague será o palco para a imposição do esquema REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation), inicialmente delineado pelo príncipe Charles e sua equipe e desenhado sob medida para os países em desenvolvimento.
Como já analisado por este Alerta, a “solução de mercado” preconizada no esquema REDD tem ao menos dois objetivos estratégicos entrelaçados: permitir que os países industrializados continuem a emitir CO2 em grandes quantidades, que seriam de alguma forma “compensadas” pelas florestas tropicais intocadas, e, ao mesmo tempo, obstaculizar o desenvolvimento socioeconômico das vastas regiões onde elas estão localizadas, predominantemente a Amazônia e a África sub-saariana, daí a necessidade de um regime de "soberania restrita" sobre elas.
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